Enquanto não tivermos uma resposta a esta pergunta, uma resposta que nos mostre o significado da nossa existência - a nossa razão de viver, de amar, de lutar, de trabalhar… -, não seremos um autêntico ser humano.
Seremos um bicho mais ou menos pensante que circula, come, bebe, dorme, faz
sexo, fuça, desfruta, enjoa, se ilude, se desilude, trabalha, briga, se
deprime, vai ao psiquiatra, não sabe o que lhe acontece, envelhece e morre.
Faz já alguns anos, uma crônica jornalística reproduzia a
resposta de uma mocinha carioca à pergunta sobre o que achava dos bandos de
vândalos e pichadores que danificam instalações públicas: - «Para mim - dizia
ela -, as pessoas não sabem mais o que fazer das suas vidas».
Sem grandes
filosofias, essa menina lembrava que nós é que temos de “fazer a nossa vida”,
que é preciso “fazer algo com ela”, e que não faremos nada de válido se não
“soubermos o que fazer”.
Justamente por termos uma inteligência e uma vontade
livre, somos os responsáveis pela nossa vida. Que fazemos dela? Que faremos
dela?
Essa filósofa-mirim trouxe-me à memória outra menina e outra
reportagem de jornal.
No caso, uma reportagem bem triste. Em São Paulo, há
vários anos, uma estudante de dezesseis anos despencou - ou se jogou? - da
janela de um dos últimos andares de um prédio de apartamentos, onde uma turma
de colegas consumia drogas. Morreu na hora.
Entre os seus papéis, acharam-se
rabiscos de umas confissões íntimas.
Desse texto, baste uma amostra: «Vou ver se aqui eu consigo dizer tudo o
que sempre quis dizer.
Em primeiro lugar, eu queria viver. Mas eu vivo, o
problema não é esse. O problema é ter que viver para quê? Ou para quem? Eu
quero encontrar algo que me faça querer viver eternamente».
A pobre mocinha não tinha descoberto ainda para que vivia, e
por isso se achava perdida, sem sentido e sem rumo. Isso faz pensar que, mesmo
na sua trágica desorientação, tinha uma intuição profunda do sentido humano da
vida.
Reparemos que ela não colocava a sua realização em possuir bens, em
enriquecer, gozar dos prazeres da vida (como seria de esperar, mexendo-se num
ambiente consumista e hedonista), mas numa “razão de viver”, que não conseguia
achar: «Eu quero encontrar algo que me faça querer viver eternamente».
Só por
isso era humana: porque sentia a sede de sentido, sem a qual tudo acaba em
absurdo e frustração.
Eu sou fiel a mim
mesmo?
À vista desses dois episódios, tornam-se incisivas estas
perguntas: - Podemos dizer que estamos configurando, orientando a nossa vida de
acordo com um ideal que a cumule de sentido, ou pelo menos que lutamos para
chegar a isso?
Esse ideal move-nos de maneira a vencermos a preguiça, a pressão
do ambiente, os impulsos meramente instintivos, a inércia e a moleza, que
apagam qualquer ideal?
Estejamos certos de que só vivendo assim - à procura de um
ideal que nos encha de sentido - poderemos dizer que somos fiéis a nós mesmos,
à grandeza do que nós somos, às
exigências profundas da nossa dignidade de pessoas humanas; em suma,
poderemos dizer que somos autênticos seres humanos.
Padre Francisco Faus
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