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sábado, 31 de janeiro de 2015

É preciso... e possível


O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma.”

Colho essas palavras no texto de abertura do livro Vozes anoitecidas, do ganhador do Prêmio Camões, em 2013, o moçambicano Mia Couto. E sobre elas me debruço.

É importante considerar a amplitude de significados que ambos os vocábulos abrangem. Nem toda miséria está necessariamente ligada à falta de recursos materiais, e nem toda ignorância à falta de escolaridade ou à rudeza de atitudes. Assim, tomando ambos os vocábulos em sua multiplicidade de facetas, entre miséria e ignorância há convergência, porque ignorância é miséria, e há reciprocidade, porque - como se observa nas palavras do escritor - à miséria corresponde uma doída ignorância: a de si mesma.

Seja a miséria sujeito (e reflexo) da ignorância, ou a ignorância sujeito da miséria, ambas estão fundidas, calcadas e caladas no mesmo vazio, no mesmo torporoso breu. Diz Mia Couto: “Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer as vozes.” Chego a pensar que, no abismo que habita esse nada, um breve, tênue, fio de luz arrisca-se a evocar o gume de um punhal - frio ensaio de dor e morte penetrando o “cômodo” marasmo da treva.

É preciso que uma lua grande e clara atravesse o oco dessa noite para que a mais mínima possibilidade de dia nela se desvele.

É preciso que essa clara lua ceda lugar a um abrasado sol, para que as pálpebras, ainda que cerradas, pressintam a cálida beleza da vida.

É preciso que uma rajada de luz plena corte as entranhas desse mudo abismo para que a vida se mova, e os olhos e as bocas se abram sem medo ao azul.

É preciso que o sol amanheça o homem para que se saiba: é necessário e possível despertar vozes anoitecidas.


Eny Miranda, médica, poeta e cronista

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Pedido


Ouço os sinos:
Dobram, redobram,
Anunciando aos homens
A chegada do Menino.

Onde estão os homens?

Olho a estrela:
Brilha, rebrilha,
Indicando aos homens
O caminho do Menino.
E onde os homens estão?

Vejo o Menino esperando,
Deitadinho entre as palhas,
E renascendo, a cada ano...
E cansando de esperar.

Menino, não te vás embora,
Espera mais um pouquinho!
Sei de uma estrela enorme
Que brilha no alto da noite
Saudando a Tua chegada.

Menino, não te vás embora,
Espera um pouquinho mais!
Sei de três nobres senhores
Que, partindo do Oriente
E seguindo a Estrela-Guia,
Logo Te irão encontrar,
E com ouro, mirra e incenso,
Irão e Te presentear.
E sei também de pastores 
Que, seguindo a Fé e a Palavra,
Logo Te irão adorar.

(Não nos shoppings,
Nem nas luzes
De outras muitas estrelas,
Geradas nas mãos dos homens.
- Eis os homens! -
Não nas mil e uma caixas
Vestidas de ouros e pratas
Que se amontoam nas lojas,
Nas casas, nos olhos...
E em muitos corações.
Não no farfalhar das sedas
Ou nos laços de celofane
Que se compram e se vendem
- Filas enormes! - 
Em mercados vazios de Fé).

Não, Menino, não vás embora:
Fica e me mostra o caminho
Da Tua estrela luminosa.
Revela-me a paz do Teu ninho.
Envolve-me no hálito-agasalho
Do Amor, 
Da confiança na essência do Homem.

Não, Menino, não vás embora:
Fica. E me mostra o caminho
Que leva ao singelo, à ternura,
Às palhas da manjedoura;
A novo sopro de esperança
No humano coração.

Eis o que procuro
Nas madrugadas nebulosas 
(Onde a Estrela?) 
Destes dias seculares:
O espírito do Teu Natal.
Hoje tão difícil... tão difícil...
Ah, Menino, não te vás!

Eny Miranda