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sábado, 17 de agosto de 2013

Falar comigo mesma


Quando eu quero falar silenciosamente comigo mesmo, eu desligo a TV, tiro o telefone do gancho, deito no chão da sala e fico olhando o vazio que se instala à minha volta. Neste ritual, que é só meu, é como se eu me alimentasse de pensamentos crus, numa espécie de banquete antropofágico onde eu devoro as minhas idéias mais absurdas com a máxima calma e ternura. Só assim eu consigo degustar o verdadeiro sabor dessa vida tão corrida e que se esvai aos poucos com a enxurrada do tempo.

Sempre que posso, eu me reservo alguns momentos de solidão para que eu possa refletir friamente sobre os meus atos e o meu modo de encarar a vida. Esse momento de reflexão pessoal é uma forma de exercitar sentimentos que existem dentro de mim, mas que foram atrofiados pela falta de uso. Fazer uma auto-crítica de tempos em tempos é uma forma voluntária que eu encontrei para tentar aperfeiçoar o homem que eu sou e o mundo em que vivo. Eu vivo melhor quando eu penso na vida e me antecipo aos meus passos. O pensamento é fonte de lucidez e de compreensão. O pensamento é o elo que une a quietude da minha alma imortal a este mundo decadente que só sabe exaltar a morte.

Por mais que viver seja uma árdua empreitada, sempre haverá um caminho que me leve à solução dos problemas que afligem os meus dias e noites. Por mais intensa que seja a escuridão que esconde o chão dos meus passos, o simples ato de me preocupar em relembrar o passado e vislumbrar o futuro, serve para que eu possa manter acesas as luzes que iluminam a atmosfera dos meus melhores dias. Porque o pensamento é o prenúncio de todas as minhas razões. Porque as minhas razões só vêm à tona depois que o meu pensamento reconhece a origem e o destino de suas verdadeiras intenções.

Ao mesmo tempo em que o pensamento é uma porta de entrada para o autoconhecimento, ele também é uma porta de saída para essa estupidez mórbida que ousa contrariar a inteligência dos homens e que insiste em querer minar o amor entre as pessoas. Pensar oxigena o espírito, dá asas ao coração e enche a nossa vida de motivos para seguirmos em frente sem jamais esquecer que ser feliz, mais do que uma obra feita por nossas mãos, é uma conquista silenciosa do nosso pensamento.

Renée Venâncio


terça-feira, 14 de maio de 2013

Voe, beija-flor, voe!

Sou um jardim extemporâneo onde as memórias desabrocham de vez em quando, sem cerimônia e totalmente fora da estação. Tem dia que o sereno da saudade cai tão morno e perfumado sobre mim, que um beija-flor ávido por ração e descanso pousa nos meus ramos e fica ali, estudando a paisagem e se balançando ao sabor da brisa suave que os meus “ontens” ainda sopram.

Tem dia que a minha saudade floresce como uma primavera inopinada, e o mesmo beija-flor de outrora vem sobrevoar os meus canteiros, remexer as minhas histórias e sugar a seiva doce das recordações que eu guardo junto ao peito. Não há vento e nem chuva capaz de demovê-lo desse bater de asas ao meu redor. E assim, segue ele em sua busca indiscreta por segredos escondidos em meus estames, como pólen do tempo, bebericando doçuras entre pétalas descerradas em manhãs que ficaram para trás.

Então, eu o afugento: “Voe, beija-flor, voe! Voe e me permita inventar outro destino”!

E, quase obediente, ele voa para longe... Voa, mas sempre volta. Volta sempre que as sementes esquecidas ao chão germinam e trazem viço ao que parecia morto, e dão novas cores ao que desbotou com o passar do tempo. Ele volta sempre que uma flor nostálgica se abre dentro de mim e lança o seu perfume através dos desvãos da minha alma.

E, quando isso acontece, eis que, de flor em flor, com suavidade e leveza, aquele beija-flor vem zunir suas asas junto aos meus desejos e beijar os meus pensamentos distantes com a máxima ternura e delicadeza. Lembrança boa é assim: tem o cheiro, o gosto e a textura de quem foi embora para sempre, sem jamais se deixar ser esquecido.

Renée Venâncio