quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Diagnóstico não é destino


Mãe é exagerada. Sempre romantiza a infância do filho. A minha, Maria Carpi, dizia que eu fui um milagre, que enfrentei sérias rejeições, que não conseguia ler e escrever, que a professora recomendou que desistisse de me alfabetizar e que me colocasse numa escola especial.

Eu permitia que contasse essa triste novela, dava os devidos descontos melodramáticos, entendia como licença poética.

Até que mexi na estante do escritório materno em busca do meu histórico escolar.

E achei um laudo, de 10 de julho de 1980, assinado por famoso neurologista e endereçado para a fonoaudióloga Zulmira.

“O Fabrício tem tido progressos sensíveis, embora seja com retardo psicomotor, conforme o exame em anexo. A fala, melhorando, não atingiu ainda a maturidade de cinco anos. Existe ainda hipotonia importante. Os reflexos são simétricos. Todo o quadro neurológico deriva de disfunção cerebral.”

Caí para trás. O médico informou que eu era retardado, deficiente, não fazia jus à mentalidade de sete para oito anos. Recomendou tratamento, remédios e isolamento, já que não acompanharia colegas da faixa etária.

Fico reconstituindo a dor dela ao abrir a carta e tentar decifrar aquela letra ilegível, espinhosa, fria do diagnóstico. Aquela sentença de que seu menino loiro, de cabeça grande, olhos baixos e orelhas viradas não teria futuro, talvez nem presente.

Deve ter amassado o texto no bolso, relido sem parar num cantinho do quintal, longe da curiosidade dos irmãos.

Mas não sentiu pena de mim, ou de si, foi tomada de coragem que é a confiança, da rapidez que é o aperto do coração. Rejeitou qualquer medicamento que consumasse a deficiência, qualquer internação que confirmasse o veredito.

Poderia ter sido considerada negligente na época, mas preferiu minha caligrafia imperfeita aos riscos definitivos do eletroencefalograma. Enfrentou a opinião de especialistas, não vendeu a alma a prazo.

Ela tirou licença do trabalho para me ensinar a ler e escrever, criou jogos para me divertir com as palavras e dedicou seus dias a aperfeiçoar minha dicção.

Em vez de culpar o destino, me amou mais.

Na vida, a gente somente depende de alguém que confie na gente, que não desista da gente. Uma âncora, um apoio, um ferrolho, um colo. Se hoje sou escritor e escrevo aqui, existe uma única responsável: Maria Carpi, a Mariazinha de Guaporé, que transformou sua teimosia em esperança. E juro que não estou exagerando.


Veja o meu depoimento emocionado no programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo, nesta quarta (21/9):
http://gshow.globo.com/programas/encontro-com-fatima-bernardes/videos/t/programa/v/fabricio-carpinejar-teve-diagnostico-de-retardo-mental-aos-8-anos/5321109

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Felicidade



Para mim o que é a felicidade?

Diria que, sobretudo, é uma satisfação íntima, interior, que me traz tranquilidade.

Parece uma definição simples e pouco elaborada
.
Não cedo à tentação de entrar em considerandos mais ou menos subjetivos – mas nem por isso menos verdadeiros – e volto, portanto a afirmar: ser feliz é estar tranquilo.

É que, na verdade, não me parece, que possa existir uma coisa sem a outra, ou, talvez melhor dito, não é possível ser feliz sem estar tranquilo.

A tranquilidade pode resumir-se na certeza de que o que faço, penso ou desejo, é exequível, está ao meu alcance, não num futuro qualquer que não sei se existirá, mas hoje, agora!

Assim, o que possa desejar será, em princípio absolutamente legítimo mas, mais que isso, lógico porque se trata de que o que sinto – sei de certeza - me faz falta para ficar mais coerente, humano, atingindo a unidade de vida com que sonho.

Repito: faz-me falta!

Talvez que aqui esteja a “chave” da questão: o que me faz falta para ser o que desejo ser.

Logo, para mim, a felicidade, é este conhecimento, esta certeza: Unidade de vida!

(ama, reflexões, 23.06.2016) Spdeus