terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Da desimportância das pequenas coisas da vida


Sempre ouvi sermões sobre a importância de valorizar as pequenas coisas da vida. Acontece que, adulto, percebi que as valorizei demais – e fui soterrado por miudezas.

Sempre ouvi – e li – sermões sobre a importância de valorizar as pequenas coisas da vida. Os pequenos momentos, as pequenas alegrias. Inspirações.

Detalhes, miudezas.

Quando o meu pai morreu, pensei em todos os clichês sobre a morte (e espantado concluí que eram terrivelmente verdadeiros) e enfim percebi que não era a negligência a esses pequenos momentos que me emurchecia. Não o descaso com as simplicidades do dia a dia.

Era rigorosamente o contrário.

Subitamente, no meio de uma travessia, durante um trauma, no limiar da vida, você refaz a medida de todas as coisas. O metro de todas as batalhas perdidas (confessemos: nenhuma batalha é vencida). E no metro de todas as coisas vê a pequenez dos tantos esforços a causas tão pequenas.

Quase toda a minha vida não admitia atrasos a compromissos, quaisquer que fossem os compromissos. Uma dessas pequenas coisas da vida, que me ensinaram a valorizar tanto quanto um abraço em uma pessoa querida. Alegrava-me com nascimentos, chegadas, conquistas; entristecia-me com mortes, violências, partidas. Invariavelmente, contudo, estava na hora exata no escritório, despachando as ordens do dia. Fui sozinho quando deveria ter ido junto, deixei de passar mais tempo com quem amava para não modificar minha agenda, submeti-me a empregos maçantes, dias maçantes, encontros maçantes com pessoas desinteressantes porque, de alguma maneira, era necessário fazê-lo.

Às vezes, por delicadeza. Às vezes cortesia.

Os pequenos momentos da vida são esses, e ocupam vida demais. Ser rígido no trabalho, pontual; cortês; exigir-se demais, impor-se um sarrafo inutilmente elevado para objetivos os mais rasteiros: um pouco mais de dinheiro, um pouco mais de atenção, um pouco mais de prestígio, um pouco mais de desejo.

Todas essas pequenas coisas.

Não é preciso valorizar as pequenas coisas da vida, tangíveis ou não, pois, em sua multidão de pequenezas, já nos soterram dia a dia.

Preciso é enxergar as coisas grandes, muito mais do que grandes, as coisas que ficarão.

Renato Essenfelder



sábado, 21 de fevereiro de 2015

Decepção



Bom dia! Disfarçando o cansaço, apostando nos motivos que fazem viver...

“Quando há uma grande decepção, não sabemos se esse é o fim da história. Pode ser apenas o começo de uma grande aventura.” (Pema Chödrön).


Qual é o tamanho da decepção? Ela não tem tamanho. O que pode ter tamanho é a intensidade de amor dedicado. Interessante como a decepção é dolorida. Porém, antes da dor, estava um grande sentimento de amor, de confiança e cumplicidade.

Só tem dor porque houve amor. E viver sem amar não dá em nada. A vida, cedo ou tarde, será ‘cobrada’ pelo amor. Não querer experimentar o sofrimento é o mesmo que não querer amar. Impossível amar sem correr riscos.

Pode não dar certo. A decepção poderá invadir o espaço existencial. Mas por causa do amor, tudo vale a pena. E a se a decepção chegar, é possível refazer-se e continuar abrindo novos caminhos. Se algo terminou, pode-se apostar em algo que está por iniciar. O que não convém é ficar remoendo o que não tem volta.

Quanta gente que estaciona na tristeza. Energias desperdiçadas. Céu sem estrelas. O bom senso acena para a continuidade da vida. Voltar à normalidade é uma opção com múltiplas possibilidades. O mundo não termina simplesmente pela proximidade de uma decepção. Pode estremecer, mas ressurgirá vigoroso e encantador. Essa é a vida que, um dia, cada qual recebeu como um grande presente.

E por ser assim, vale a pena. Aconteceu tal coisa? Não é o fim da história.

Tem tudo para ser o começo de uma grande aventura. Bênçãos! Paz e Bem! Santa Alegria! Abraços!




Frei Jaime Bettega OFM

Minha vida

Oliver Sacks diante da morte

Traduzimos na íntegra o texto do neurocientista para o The New York Times sobre seus últimos meses de vida após descobrir um câncer terminal



Um mês atrás, parecia que eu gozava de boa saúde, poderia se considerar até mesmo excelente. Aos 81 anos de idade, ainda nado 1500 metros por dia. Mas minha boa fortuna já havia se esgotado – algumas semanas atrás fiquei ciente de que tenho múltiplas metástases no fígado. Nove anos atrás descobrimos que eu tinha um raro tumor no olho, um melanoma ocular. Ainda que a radiação e o uso de lasers para remover o tumor me tenha deixado cego daquele olho, apenas em casos muito raros tumores deste tipo fazem metástase. Ainda assim, estou entre os 2% que não têm sorte.

Sinto gratidão pelos nove anos de boa saúde e produtividade desde o primeiro diagnóstico, mas agora me deparo com a morte. O câncer ocupa um terço de meu fígado, e embora seu avanço possa ser desacelerado, não há como parar esse tipo particular de câncer.



É só minha a decisão de como viver os meses que me restam. Tenho que viver da forma mais rica, profunda e produtiva que conseguir. E nisso me encorajo com as palavras de um de meus filósofos favoritos, David Hume, que, ao descobrir aos 65 anos de idade que uma doença o levaria à morte, escreveu uma curta autobiografia num único dia de abril de 1776. A ela ele deu o título de “Minha vida.”


“Neste momento me deparo com uma dissolução muito rápida,” escreveu ele. “De minha condição, sofro muito pouco com dor, e o mais estranho é que, não obstante a grande derrocada de minha compleição, nunca cheguei a sofrer um momento sequer de esmorecimento do humor. Mantenho o mesmo ardor de sempre pelo estudo, e a mesma alegria na companhia dos outros.”

Tenho sorte de passar dos 80, e os 15 anos que superaram as seis décadas e cinco anos de Hume me foram igualmente plenos de trabalho e amor. Nesse período publiquei cinco livros e completei uma autobiografia (um bocado maior do que as poucas páginas de Hume) a ser publicada nessa primavera; tenho vários outros livros quase prontos.

Hume continuou, “Sou ... um homem de disposições brandas, em comando do meu próprio temperamento, de humor aberto, social e alegre, dado ao apego, mas pouco suscetível à inimizade, e de grande moderação em todas minhas paixões.”

Nisso não sou como Hume. Embora eu tenha vivido relacionamentos amorosos e amizades, e não tenha inimigos verdadeiros, não posso dizer (nem ninguém que me conhece diria) que sou um homem de disposição branda. Pelo contrário, sou um homem de disposição veemente, de entusiasmos violentos, e extremamente desprovido de moderação com relação a todas as minhas paixões.


Ainda assim, uma frase do ensaio de Hume me é marcante como especialmente verdadeira no meu caso: “É difícil”, escreveu ele, “alguém ter mais desapego pela vida do que neste momento.”Ao longo dos últimos dias, tenho sido capaz de ver minha vida como se de uma grande altitude, como uma espécie de paisagem distante, e com um sentido aprofundado da conexão entre todas as partes. E isso não significa que minha vida acabou.


Pelo contrário, me sinto intensamente vivo, e quero e espero que no tempo que me sobra que eu aprofunde minhas amizades, diga adeus para aqueles que amo, escreva mais, viaje se tiver a força, e alcance novos níveis de entendimento e discernimento.


Isso demandará audácia, clareza e conversas diretas; tentar acertar minhas contas com o mundo. Mas haverá tempo, também, para alguma diversão (e até mesmo para alguma bobeira, sem dúvida).


Repentinamente me sinto possuidor de um foco muito claro, e de perspectiva. Não há mais tempo para nada que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus amigos. Não vou mais assistir o jornal na TV todas as noites. Não vou mais prestar atenção para política ou para argumentos sobre aquecimento global.


Não se trata de indiferença, mas de desapego – ainda me importo muito com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com o crescimento da desigualdade, mas estas coisas não estão mais na minha alçada; pertencem ao futuro. Regozijo-me ao encontrar jovens capazes – até mesmo aqueles que fizeram minhas biópsias e diagnosticaram minhas metástases. Sinto que o futuro está em boas mãos.


Cada vez estou mais consciente, nos últimos 10 anos mais ou menos, das mortes de meus contemporâneos. A minha geração está de saída, e senti cada morte como uma ruptura, como se parte de mim se rasgasse. Não haverá ninguém como nós quando nos formos, mas na verdade não há ninguém que seja como outro alguém, nunca houve. Quando as pessoas morrem, são insubstituíveis. Deixam buracos que não podem ser preenchidos, pois é o destino – o destino genético e neural – de cada ser humano ser um indivíduo único, encontrar seu próprio caminho, viver sua própria vida, e morrer sua própria morte.


Não posso fingir que não tenho medo. Mas meu sentimento predominante é a gratidão. Amei e fui amado; ofereci muito, e recebi algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Comuniquei-me com o mundo com a comunicação especial dos escritores e leitores.


Acima de tudo, tenho sido um ser senciente, um animal pensante, nesse belo planeta, e isso por si só foi um enorme privilégio, e uma aventura.

—Oliver Sacks

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Faça de seu caminho um espelho de si mesmo


A natureza segue suas próprias regras: desta maneira, você tem que estar preparado para súbitas mudanças do outono, o gelo escorregadio no inverno, as tentações das flores na primavera, a sede e as chuvas de verão. 
Em cada uma destas estações, aproveite o que há de melhor, e não reclame das suas características.

Faça do seu caminho um espelho de si mesmo: não se deixe de maneira nenhuma influenciar pela maneira como os outros cuidam de seus caminhos. 
Você tem sua alma para escutar, e os pássaros para contar o que sua alma está dizendo. 
Que suas histórias sejam belas e agradem tudo que está a sua volta. 
Sobretudo, que as histórias que sua alma conta durante a jornada sejam refletidas em cada segundo de percurso.

Ame seu caminho: sem isso, nada faz sentido.

Paulo Coelho