O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma.”
Colho essas palavras no texto de abertura do livro Vozes anoitecidas, do ganhador do Prêmio Camões, em 2013, o moçambicano Mia Couto. E sobre elas me debruço.
É importante considerar a amplitude de significados que ambos os vocábulos abrangem. Nem toda miséria está necessariamente ligada à falta de recursos materiais, e nem toda ignorância à falta de escolaridade ou à rudeza de atitudes. Assim, tomando ambos os vocábulos em sua multiplicidade de facetas, entre miséria e ignorância há convergência, porque ignorância é miséria, e há reciprocidade, porque - como se observa nas palavras do escritor - à miséria corresponde uma doída ignorância: a de si mesma.
Seja a miséria sujeito (e reflexo) da ignorância, ou a ignorância sujeito da miséria, ambas estão fundidas, calcadas e caladas no mesmo vazio, no mesmo torporoso breu. Diz Mia Couto: “Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer as vozes.” Chego a pensar que, no abismo que habita esse nada, um breve, tênue, fio de luz arrisca-se a evocar o gume de um punhal - frio ensaio de dor e morte penetrando o “cômodo” marasmo da treva.
É preciso que uma lua grande e clara atravesse o oco dessa noite para que a mais mínima possibilidade de dia nela se desvele.
É preciso que essa clara lua ceda lugar a um abrasado sol, para que as pálpebras, ainda que cerradas, pressintam a cálida beleza da vida.
É preciso que uma rajada de luz plena corte as entranhas desse mudo abismo para que a vida se mova, e os olhos e as bocas se abram sem medo ao azul.
É preciso que o sol amanheça o homem para que se saiba: é necessário e possível despertar vozes anoitecidas.
Eny Miranda, médica, poeta e cronista
Colho essas palavras no texto de abertura do livro Vozes anoitecidas, do ganhador do Prêmio Camões, em 2013, o moçambicano Mia Couto. E sobre elas me debruço.
É importante considerar a amplitude de significados que ambos os vocábulos abrangem. Nem toda miséria está necessariamente ligada à falta de recursos materiais, e nem toda ignorância à falta de escolaridade ou à rudeza de atitudes. Assim, tomando ambos os vocábulos em sua multiplicidade de facetas, entre miséria e ignorância há convergência, porque ignorância é miséria, e há reciprocidade, porque - como se observa nas palavras do escritor - à miséria corresponde uma doída ignorância: a de si mesma.
Seja a miséria sujeito (e reflexo) da ignorância, ou a ignorância sujeito da miséria, ambas estão fundidas, calcadas e caladas no mesmo vazio, no mesmo torporoso breu. Diz Mia Couto: “Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer as vozes.” Chego a pensar que, no abismo que habita esse nada, um breve, tênue, fio de luz arrisca-se a evocar o gume de um punhal - frio ensaio de dor e morte penetrando o “cômodo” marasmo da treva.
É preciso que uma lua grande e clara atravesse o oco dessa noite para que a mais mínima possibilidade de dia nela se desvele.
É preciso que essa clara lua ceda lugar a um abrasado sol, para que as pálpebras, ainda que cerradas, pressintam a cálida beleza da vida.
É preciso que uma rajada de luz plena corte as entranhas desse mudo abismo para que a vida se mova, e os olhos e as bocas se abram sem medo ao azul.
É preciso que o sol amanheça o homem para que se saiba: é necessário e possível despertar vozes anoitecidas.
Eny Miranda, médica, poeta e cronista
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