quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O caso da raposa

Era eu calouro no trabalho, recém formado e com poucos meses em terras de Miguel Calmon-BA, quando participei de uma campanha de vacinação contra a raiva. Preparativos prontos, orientações feitas, volantes iniciadas, tudo como é. Numa oportunidade rotineira, verificando os mapas de vacinação, constatei a seguinte proeza:

Cães vacinados: X;
 Gatos vacinados: Y;
 e uma observação no rodapé do mapa: 
Raposa vacinada: 01!

“Misericórdia!” pensei eu. “A equipe foi pro mato, pegou uma raposa e vacinou!”
 Mas quem orientou esse absurdo? Foi dito e repetido que a vacina é para cães e gatos. E como pegaram a raposa?
 O cérebro inquieto foi atrás do vacinador, cujo nome manterei em segredo.
 - “Chiquinho de Babau”, você foi pegar uma raposa no mato pra vacinar? Como foi isso?
 - Não!  - Respondeu ele já sorrindo – Fomos a uma casa lá na roça e o dono criava um cachorro e uma raposa. Vacinamos os dois!

Vejam vocês… criando raposa! Como se não bastassem os riscos de um animal doméstico contrair e transmitir a raiva, uma pessoa ainda teve a sublime idéia de domiciliar um animal silvestre.

De lá pra cá, mudei. Não espero mais bom senso das pessoas. Fico feliz quando o encontro, mas não crio expectativas. Não aposto na idéia “As pessoas já sabem isso” ou “Estão carecas de ouvir aquilo”. Parto do princípio de que sempre existem os que não sabem e os que sabem coisas equivocadas, por isso, é sempre necessário reforçar as orientações disponíveis, em todas as ações, sejam elas campanhas de vacinação ou recomendações cotidianas numa consulta de Enfermagem.

Mas o tempo passa e com ele vem a maturidade. Nunca esqueci o “caso da raposa”. Passeando no trem da vida, saí da assistência, visitei rapidamente a Vigilância Sanitária, fui rebocado para a Coordenação da Atenção Primária, e estive Secretário de Saúde interinamente durante cinco meses (que pareceram cinco anos).

Foi quando percebi que a raposa não me causou só boas gargalhadas. Ela respalda minhas ações.
Quantas vezes nos vemos “criando raposas” em nossos espíritos, em nossas casas, em nossos empregos?
Quantas vezes agimos por impulso, aumentando os riscos de adoecimento e de complicações apenas por não identificarmos que aquele ato ou aquela conduta são raposas, no final das contas?
Quantas vezes absorvemos excessivamente estresse, mágoas e aborrecimentos, pessoais e profissionais, alimentando essas raposas em nossas mentes e praticando o mais sutil dos suicídios?

Pensemos. Até que ponto nossa racionalidade nos empurra ao penhasco do “tarefismo”, da “numerolatria” das produtividades, enquanto a qualidade das ações e das relações humanas é deixada às margens do processo de trabalho?
De que forma isso vai mudar? Esperando os gestores/patrões agirem? Não mesmo. Eles estão umbilicalmente amarrados a um sistema auto depreciativo, centrado no lucro e na politicagem, onde o bem estar coletivo é a última coisa considerada. Na frente dele, sempre o “establishment” e o voto.

A esperança existe e uma boa estratégia para mantê-la viva é lembrar sempre do “caso da raposa”:

Se determinada coisa aumenta os riscos e as possibilidades de complicações, não faça.

Alexandro Gesner

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