terça-feira, 30 de outubro de 2012

Palavras são inúteis

Aquilo que liga duas pessoas existe além delas
 A gente cresce acreditando no poder das palavras. Desde criança, nos dizem que, conversando, seremos capazes de acertar qualquer coisa, de resolver qualquer situação. Infelizmente, não é verdade. Quando se trata de relacionamentos, as palavras são inúteis.
Os sentimentos apaixonados que nos ligam a alguém não são criados por palavras. Os desentendimentos que aos poucos ou de súbito nos separam da pessoa não são provocados por palavras. Os sentimentos de perda, dor e morte causados pelas rupturas tampouco são remediados por palavras. As palavras descrevem, celebram, exaltam e lamentam nossas paixões, mas não são responsáveis por elas. Quando se trata de amor, as palavras são inúteis.
Não obstante, nós falamos. Cultivamos a ilusão de que o outro pode ser envolvido, seduzido, convencido pela nossa retórica. Acreditamos, fundamentalmente, que o nosso desejo pode ser transmitido pela palavra. Por isso, telefonamos, mandamos mensagens, escrevemos longos emails, rabiscamos poemas, fazemos letras de música, marcamos conversas dolorosas e intermináveis que – a rigor – não levam a lugar nenhum.

Quando existe um sentimento comum, as palavras são apenas acessórias. Quando não há sentimento, elas agem como um bisturi: cortam, expõem e dilaceram, mas não criam.
.......
As palavras são apenas sintomas. Quando as pessoas se conhecem e se apaixonam, conversam da mesma forma como se beijam, com fúria e com encantamento. No final, quando tudo acabou, as palavras doem e escasseiam. Elas são repelidas pelo outro da mesma forma que o toque, igual que o olhar. Temos a impressão de estar encerrando o amor com as palavras, mas elas são apenas as flores do enterro. Quando chegamos a elas, o desejo está morto.
Infelizmente, os ciclos de paixão e rejeição não são simultâneos. Eu ainda estou cheio de palavras doces, mas você não quer mais ouvi-las. Ou eu me dirijo a você com palavras de desejo e prazer, mas elas deixaram de fazer sentido. Se você não sente mais o que eu sinto, não vai entender o que eu digo. Nem será tocada pela magia das minhas palavras, que se tornam inúteis. Quantas das nossas conversas não são trocas de palavras inúteis? Tentamos transpor com elas o abismo da indiferença do outro. Explicamos, sugerimos, argumentamos - inutilmente.

Então, economize palavras. Fique quieto e preste atenção. Escute o que ela não diz. Entenda o que ele nem falou. 
Os gestos contam coisas, os olhares antecipam. 
Atitudes valem mais do que declarações de amor – e não podem ser substituídas ou consertadas por palavras.

(Ivan Martins – editor da Época)


Nenhum comentário:

Postar um comentário