Não, não falarei sobre a beleza desses ipês floridos que
adornam os bairros de nossa cidade, as alamedas, as esquinas em frente a casas
assobradadas; que embelezam as estradas apesar de pastos ressequidos, pardos,
tristes... Nem revelarei se minha preferência recai sobre os ipês amarelos,
brancos ou roxos... Direi apenas o que eles evocam em minha alma que nem sei se
encontra cansada ou entediada com as pequenas alegrias e as perdas sentidas que
a vida nos apresenta.
Assim como os ipês florescem em agosto e permanecem
coloridos por um tempo mínimo do ano, as alegrias nos tomam com pequenos fatos
ou detalhes. Um mês de encanto florido e depois o resto do ano e a metade do
próximo só galhos nus, tristes na galhada esquelética. Entretanto, quem passa e
observa atentamente aqueles galhos retorcidos e murchos, sabe que com certeza a
florada virá exuberante, tenha ou não chuva.
É como a vida num determinado recorte de seu tempo. Como o
meu de agora. Meu ipê de agosto floresceu em novembro último com o nascimento
de meu primeiro neto. E graças a esse Deus de que tanto vocês falam, meu ipê de
agosto floresce e seca com uma rapidez espantosa: nasce um ente querido, perco
um amigo, fortalecem-me os cursos que ministro, vejo crianças com fome, minha
esposa diz entrelinhas que me ama, há uma traição em cada esquina...
Os ipês de agosto me lembram as alegrias frágeis que me
visitam; os mesmos ipês de dezembro ou janeiro, esquecidos no retrato cinza da
memória são as dores de minha alma. Um mês de florada e o resto do tempo de
secura.
Por que há de ser assim?
Somente aqueles que chegaram a um tempo da vida podem sentir
o que sinto agora: estar no limiar dos sentimentos mais profundos que assomam
os recantos da alma. Explico melhor: você olha para trás e não vê mais pai,
tios, avós, às vezes um irmão, amigos... Dormem eternamente enquanto seus
retratinhos estampam sepulturas caiadas. É amargo demais. Mas isto só ocorre se
você olhar para trás. Olhe agora para frente e se depare com suas filhas amantíssimas
sentadas na mesa principal da casa, reunidas agora em família, adultas ao lado
de seus maridos, namorados, os netos, a esposa, a imensa e transbordante
alegria dos queridos... E o ipê se mostra empanzinado de beleza!
Acho que este duplo sentimento deve durar até que nada
reste. É quando penso naqueles e naquelas que viveram muito, mais do que
queriam... E nesta longa jornada viram todos os seus queridos partirem, todas
as suas esperanças caídas... Não há nada na retrospectiva além de lembranças;
não há nada à frente, além da espera retratada em cada movimento do ponteiro
dos segundos do relógio da fria parede da casa silenciosa, ou do asilo que
recende a urina. O piso é frio que penetra nos ossos e vai encontrar abrigo na
alma vencida.
E quando você, que ainda tem o futuro vivo na mesa de casa,
vê o ipê florido, ame com o mais puro e o melhor dos seus sentimentos cada
pedacinho daquela pequena árvore, acolha cada pétala, cada flor, aninhe cada
colorido dos ipês de agosto.
Nunca despreze um ipê de agosto, porque ele pode representar
o que de melhor acontece em nossas vidas. E quando as flores se forem, lá pra
setembro ou outubro, firme-se na certeza do seu retorno no agosto que vem, que
chegará.
Amo os ipês de agosto, não me importando se amarelos, brancos
ou roxos. Amo os ipês de agosto porque neles eu vejo o brilho dos olhos de
todos aqueles que eu amo, de todos aqueles que me amam, de todos aqueles que,
junto comigo, formam a outra metade abençoada da vida!
Everton de Paula
Retirado de: Nossas Letras (Comércio da Franca)
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