Já houve um tempo em que tudo o que ela queria era dormir no
meu peito, quietinha, ronronando, enquanto eu, orgulhoso, passava a mão em seus
cabelos negros.
Já houve um tempo em que a nossa diferença de idade contava
a meu favor. Ela me considerava um sábio. E, sabendo-se inexperiente para as
coisas do mundo, terminava todas as frases me perguntando “não é?”. Ela
simplesmente precisava que eu confirmasse para ser – mesmo que ela soubesse que
era.
Já houve um tempo em que eu decidia tudo. Ela só me dava a
mão e me seguia pelos meus caminhos, com um sorriso no rosto só por estar
saindo de casa.
Mas o tempo fez o que o tempo sempre faz. Ela começou a
perceber que eu não era tudo o que ela imaginava. Foi ficando mais segura. E a
diferença de idade, que antes lhe dava tanto conforto, agora a incomodava. Sim,
eu era um velho. E então ela começou a reclamar da minha roupa, da meu gosto
musical, dos meus filmes. E nós fomos nos afastando.
Agora ela começa a sair sozinha. Se tranca no quarto para
falar com as amigas. Seriam mesmo amigas? Fecha a tela rápido do computador
para eu não ver o que está escrevendo. E ela, que nunca foi de se pintar, se
pintou. Pintou as unhas também, depilou as pernas, e saiu por aí, num sábado à
noite. Ainda fez uma cara de deboche quando eu, ingenuamente, pedi para ela se
cuidar. Riu porque sabia que quem precisava se cuidar era eu. Porque vai chegar
o tempo em que ela vai embora com outro de vez.
É dura a vida de pai de menina.
Nelito Fernandes, repórter da sucursal de Época no Rio
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