sexta-feira, 31 de maio de 2013

Espelho, espelho meu, quem é mais velha do que eu?

Muitos pacientes me relatam a experiência de sentirem que o mundo deixou de olhar para eles.
A vivência é de um despertencimento.

Esta tem sido a indagação de muitas mulheres ao se olharem no espelho. O conto infantil de "A Branca de Neve e os Sete Anões" combina bem com a realidade que estamos assistindo: um triste e doloroso reconhecimento da dificuldade em aceitar o envelhecimento.

Embora exista muito assunto em torno da longevidade, uma propaganda sobre ser este o momento em que a pessoa está mais livre para decidir sobre as suas escolhas, o vazio que fica no reflexo do espelho é enorme. Estou falando de algo muito profundo que é o olhar da sociedade, ou melhor, o não-olhar aos que envelhecem.

Muitos pacientes me relatam a experiência de sentirem que o mundo deixou de olhar para eles. 
A vivência é de um extremo despertencimento de si mesmo, como se deixassem de existir. 
Sabemos que o olhar dos outros nos mantém vivos e alimentados, na nossa auto-estima, no nosso reconhecimento como indivíduos. Então, a experiência que algumas pessoas vivem, sentindo que estão à margem, é muito difícil.

Agora, voltando ao título desta coluna, como será que nos sentimos frente a este espelho que em nossa solidão nos reflete aquilo que tanto tememos? 
A escritora e feminista Simone de Beauvoir, que fez um tratado sobre a velhice, citou o autor francês Rochefoucauld: “É impossível olharmos direto para o Sol, assim como para a velhice”.

Como podemos pensar em harmonizar este tempo que cobra um lugar, uma passagem e que naturalmente exige um pagamento? Como pensar em contabilizar as alegrias, as histórias, os lugares que tivemos o privilégio de viver? Será que termos construído uma história e termos tido tantas oportunidades não torna “o envelhecer” um pouco mais confortável?

A imagem que o espelho nos reflete talvez não possa ser modificada (lógico que temos toda a tecnologia para auxiliar a aparência física), porque são as nossas verdades que não deveríamos esconder de nós mesmos. 
Elas podem ser o produto do trabalho de reconhecermos a nossa vida, o corpo que nos acompanhou por toda a existência e, talvez, um agradecimento pela oportunidade de podermos ver que, além de nós, existe uma geração mais jovem e bela: nossos filhos e netos.

Este novo olhar nos permite transformar aquilo que parece tão terrível e ameaçador em algo muito lindo e importante.

Dorli Kamkhagi - mestre Doutora em Psicologia Clínica e mestre em Gerontologia pela PUC-SP e psicóloga do Centro de Estimulação Cognitiva e Funcional do Idoso do Programa de Psicogeriatria do Hospital das Clínicas

                               

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