sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Sobre a morte


... Sinto-me às vezes tocado, não sei porquê, de um prenúncio de morte. Ou seja uma vaga doença, que se não materializa em dor e por isso tende a espiritualizar-se em fim, ou seja um cansaço que quer um sono tão profundo que o dormir lhe não basta — o certo é que sinto como se, no fim de um piorar de doente, por fim largasse sem violência ou saudade as mãos débeis de sobre a colcha sentida.
Considero então que coisa é esta a que chamamos morte. 
Não quero dizer o mistério da morte, que não penetro, mas a sensação física de cessar de viver. 
A humanidade tem medo da morte, mas incertamente; o homem normal bate-se bem em exercício, o homem normal, doente ou velho, raras vezes olha com horror o abismo do nada que ele atribui a esse abismo. 
Tudo isso é falta de imaginação. 
Nem há nada menos de quem pensa que supor a morte um sono. Por que o há de ser se a morte se não assemelha ao sono? 
O essencial do sono é o acordar-se dele, e da morte, supomos, não se acorda. E se a morte se assemelha ao sono, deveremos ter a noção de que se acorda Não é isso, porém, o que o homem normal se figura: figura para si a morte como um sono de que não se acorda, o que nada quer dizer. 
A morte, disse, não se assemelha ao sono, pois no sono se está vivo e dormindo; nem sei como pode alguém assemelhar a morte a qualquer coisa, pois não pode ter experiência dela, ou coisa com que a comparar.
 A mim, quando vejo um morto, a morte parece-me uma partida. 
O cadáver dá-me a impressão de um trajo que se deixou. 
Alguém se foi embora e não precisou de levar aquele fato único que vestira....

Fernando Pessoa

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