Padre Vieira, em São Luís do Maranhão, no sermão em
homenagem à festa de santo Antônio, em 1654, indagava: "O efeito do sal é
impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa,
havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa
desta corrupção?"
A seu ver, havia duas causas principais: a contradição
de quem deveria salgar e a incredulidade do povo diante de tantos atos que não
correspondiam às palavras.
O corrupto caracteriza-se por não se admitir como tal.
Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão.
Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa,
sorriso amável, salamaleques gentis.
O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um
direito; a porcentagem, pagamento por seus serviços; o desvio, forma de
apropriar-se do que lhe pertence. Bobos são aqueles que fazem tráfico de
influência sem tirar proveito.
Há muitos tipos de corruptos...
O corrupto oficial é aquele
que se vale de uma função público para tirar proveitos a si, à família e aos
amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem custeada pelo
erário, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento,
a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas.
A lógica do corrupto é corrupta: "Se não faço, outro
leva vantagem em meu lugar". Seu único temor é ser apanhado em flagrante
delito. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver seu nome
estampado nos jornais. Confiante, jamais imagina a filha pequena a indagar-lhe:
"Papai, é verdade que você é corrupto?"
O corrupto não sente nenhum escrúpulo em receber caixas de
uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou andar de carona em jatinhos
de empresários. Afrouxam-lhe com agrados e, assim, ele afrouxa a burocracia que
retém as verbas públicas.
Há o corrupto privado. Nunca menciona quantias, tão-somente
insinua, cauteloso, como se convencido de que cada uma de sua palavras estão
sendo registradas por um gravador. Assim, ele se torna o rei da metáfora. Nunca
é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor saberá ler nas
entrelinhas.
O corrupto franciscano pratica o toma lá, dá cá. Seu lema é
"quem não chora, não mama". Não ostenta riquezas, não viaja ao
exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a
indignar-se quando o assunto é a corrupção que grassa pelo país.
O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões,
enche o latifúndio de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso
cúmplice, cegueira. Vangloria-se em sua astúcia em enganar a esposa e mentir
aos colegas.
O corrupto nostálgico orgulha-se do pai ferroviário, da mãe
professora, de sua origem humilde na roça, mas está intimamente convencido de
que, tivessem as mesmas oportunidades de meter a mão na cumbuca, seus
antepassados não deixariam passar.
O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a
mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. Se tal
modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista
bem sucedido.
Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos
honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza
que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos. Aliás, o corrupto acredita
piamente que todos o consideram de uma lisura capaz de causar inveja em madre
Teresa de Calcutá.
O corrupto julga-se dotado de uma inteligência que o livra
do mundo dos ingênuos e torna mais arguto e esperto do que o comum dos mortais.
Frei Betto
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