Experimentamos, na vida,
todos os tipos de sensações e provações. Trilhamos caminhos que ora são
acolhedores, ora são profundamente dolorosos. Ritualizamos momentos. Celebramos
aniversário, formatura, novo emprego, prêmios, aprovações em concursos, defesas
de teses, casamento. De outro lado, separações, mortes, demissões, injustiças,
inveja, mentiras. O riso ou as lágrimas convivem conosco. A euforia e o desânimo
também. E, assim, vamos nos construindo, nos educando.
No processo de crescimento,
os exemplos de vida nos ajudam a melhorar a nossa disposição para a própria
vida. A vida que passa muito rapidamente, ou não, nos dizeres de Cora
Coralina:
Não sei… Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.
A educação depende da
capacidade que temos de tocar o coração das pessoas. E isso se dá de muitas
maneiras. Uma delas ocorre quando apresentamos modelos de vida. Não modelos
perfeitos, mas pessoas que se notabilizaram por vencer os obstáculos e perseguir
a meta.
A biografia de Gabrielle
Chanel ou Coco Chanel mostra a saga de uma menina que tendo a mãe morta é
deixada no orfanato pelo pai. Quando este parte, ela olha pela porta semiaberta
desejosa de que ele olhe pelo menos mais uma vez para trás. Ele não olha e nunca
volta para buscá-la. E ela, ritualmente, se arrumava todos os domingos para a
tão esperada visita. Sofreu muito a menina. Sofreu muito a mulher. Sofreu muito
a madura Chanel para reerguer-se depois da guerra. Certa vez, ela confessou: “a
força se constrói com fracassos, não com sucessos”.
A vida de Nelson Mandela é
um tesouro para a educação. Sua fé na justiça, apesar das injustiças. Sua
perseverança na liberdade, apesar da prisão. Seu sonho de construir uma nação em
que a cor da pele não desse o tom do respeito. Usou de todas as forças possíveis
para que o seu povo celebrasse o sonho antevisto por Luther King, outro
referencial.
Eu tenho um sonho que um
dia minhas quatro crianças viverão em uma nação onde não serão julgadas pela cor
de sua pele, mas sim pelo conteúdo de seu caráter.
Quando apresentamos
biografias aos nossos alunos, permitimos que percebam, com mais cuidado, a
riqueza da vida talhada em momentos mais fáceis e em momentos mais difíceis.
Mostrar o sucesso apenas é desconsiderar os muitos fracassos que haverão de
viver os nossos aprendizes. Preparar para o fracasso parece um paradoxo para
quem prepara para a vida. Mas não é. Quantos fracassos viveram Chanel ou
Mandela? Mas persistiram porque foram talhados para a luta. Em um mundo cheio de
competições, em que as pessoas acabam sendo descartadas sem muita cerimônia, em
que os empregos não são definitivos, educar para a adversidade faz parte do
escopo essencial da relação de ensino e aprendizagem.
Sempre defendi que
humanizássemos os autores para que a literatura fosse mais sedutora. Quem
conhece a biografia de Machado de Assis contempla sua obra com mais entusiasmo.
Quem sofre com Castro Alves as dores da ausência da liberdade contempla como o
mesmo olhar de pássaro a nau composta de escravos e a dor com que o poeta clama
aos céus.
A literatura dialoga com a
história que dialoga com a vida. As ciências também tratam da vida como a
geografia. As novas línguas que aprendemos abrem janelas para outras
possibilidades. É tudo real. O conhecimento e a aprendizagem acontecem como a
vida acontece. E libertam com o poder de tirar dos porões o oprimido, era esse o
sonho de Paulo Freire.
Os educadores têm de ter em
mente esse desafio, apresentar vidas para que as vidas dos aprendizes tenham
ainda mais significado. Há um filme, recentemente lançado, “Sempre ao seu lado”
que começa em uma sala de aula em que os alunos têm de contar a história de um
grande herói. E um menino começa a falar do cachorro do seu avô. E o relato
vai emocionando a sala porque há algo de fascinante na fidelidade do cachorro.
Sua espera. O dono, um professor de música, nunca mais haveria de voltar. Mas o
seu oficio era o de esperar. E as pessoas iam aprendendo com a “sabedoria”
canina. E compreendendo o seu desejo de liberdade e de ternura a quem ele
escolheu para servir.
Há heróis anônimos. E
certamente os alunos conhecem alguns deles. Essa é uma experiência que vale a
pena. Misturar biografias conhecidas com histórias do quarteirão. Vidas sempre
têm importância. Algumas conseguem notoriedade outras mudam mundos em um
cantinho qualquer do mundo.
Esse é o antídoto que temos
contra a destruição dos valores humanos. É nadando contra a correnteza que
fortalecemos os nossos músculos morais e temperamos nosso caráter com dignidade
e ternura. Nós, educadores, podemos fazer a diferença. Vale a pena
experimentar…
Gabriel Chalita
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