terça-feira, 3 de setembro de 2013

Antinatural


Muitas vezes é necessário avançar na direção oposta para atingir o objetivo final. 
O movimento natural dos nossos sentidos é fluir para fora, encontrar os objetos do mundo e interpretá-los com a ajuda do pensamento. 
Nessa direção chegamos quase sempre a três conhecidos lugares comuns: o lugar do desejo e do querer, o lugar da rejeição ou repulsa ou ao lugar da resignação. 

Vivemos, quase sempre, fechados nesse triângulo: eu quero, não quero, não há nada que eu possa fazer. Muitas vezes, respondemos de três maneiras diferentes para o mesmo fato, dependendo do dia, lugar, hora ou estado emocional. Por exemplo, posso um dia louvar a chuva que cai porque me refrescou, outra vez, indignada, reclamar de sua presença porque atrapalhou meus planos e posso me sentir impotente para revelar sentimentos frente a um fato que só cabe à natureza resolver.

“Remar contra a maré” é uma expressão popular que nos leva a suscitar a força que está escondida e acomodada. 
Nossos sentidos foram treinados na voracidade de, a toda hora e momento, julgar, interpretar e justificar. Esse mundo tão cheio de chamados nos diz que é preciso nos posicionar e ter uma boa opinião formada sobre todos os assuntos. 
Vamos nos perdendo nas palavras, na defesa das ideias e, aos poucos, nos tornamos reféns do ter que falar, ter que fazer, do ter que saber. Ir contra tudo isso é uma atitude antinatural, mas seria, quem sabe, descobrir a nossa força maior que reside no observador que vê o fato sem desejo, repulsa ou julgamento. 

Simplesmente dizer: Está chovendo. 
Quase nunca conseguimos esse olhar calmo e tranqüilo. 
Se estamos na natureza, ouvindo o som dos pássaros, quase sempre nossa mente tagarela se intromete e já fala: Que canto bonito! Que passarinho será esse? 
Se conseguíssemos apenas ouvir e deixar a beleza do canto penetrar profundamente em um lugar silencioso em nós... 

Deixar o canto cantar dentro do nosso ser... 
Observar sem perguntar, evitar nomear , apenas olhar, sentir e ouvir. 
Conseguirmos acompanhar o pôr-do-sol e saudá-lo com um olhar brando e receptivo, sem necessariamente usar palavras para definir. 
Esse contínuo falar, esse incessante desejo de controlar por meio da descrição, da interpretação e da conceituação, nos rouba grande parte do aroma, do sabor e da beleza da vida. 
Recolher os sentidos seria fazer como uma tartaruga que recolhe a cabeça, a cauda e as quatro patas para dentro do casco. 
Olhar para dentro um pouco, domesticar a mente barulhenta.

Isso não seria chato demais? E como pode uma pessoa que escreve e usa as palavras dizer que o silêncio é melhor? 
Penso que a resposta para essas questões consiste em experimentar essa via antinatural e descobrir que, na verdade, ela restaura sabores, texturas e perfumes que redescobrem o frescor da infância. 
Nesse caso, o menos é mais. Enquanto nossos sentidos, treinados avidamente a ir sempre para fora, continuarem nos obrigando a uma tarefa taxionômica infindável, nunca teremos um momento só nosso. Visualizei esse caminho no verso de um poema : “Como a rosa que se fechasse em botão novamente”. Isso é antinatural, mas vai nos levar a visitar lugares novos e desconhecidos que nos habitam.


Jane Mahalem

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