domingo, 31 de março de 2013

O inacabado que há em mim

Eu me experimento inacabado. Da obra, o rascunho. Do gesto, o que não termina. 
Sou como o rio em processo de vir a ser. A confluência de outras águas e o encontro com filhos de outras nascentes o tornam outro. 
O rio é a mistura de pequenos encontros. Eu sou feito de águas, muitas águas. Também recebo afluentes e com eles me transformo,

O que sai de mim cada vez que amo? O que em mim acontece quando me deparo com a dor que não é minha, mas que pela força do olhar que me fita vem morar em mim? Eu me transformo em outros? Eu vivo para saber. O que do outro recebo leva tempo para ser decifrado. 
O que sei é que a vida me afeta com seu poder de vivência. Empurra-me para reações inusitadas, tão cheias de sentidos ocultos. 
Cultivo em mim o acúmulo de muitos mundos.

Por vezes o cansaço me faz querer parar. Sensação de que já vivi mais do que meu coração suporta. 
Os encontros são muitos; as pessoas também. 
As chegadas e partidas se misturam e confundem o coração. É nesta hora em que me pego alimentando sonhos de cotidianos estreitos, previsíveis.
Mas quando me enxergo na perspectiva de selar o passaporte e cancelar as saídas, eis que me aproximo de uma tristeza infértil.
Melhor mesmo é continuar na esperança de confluências futuras. 
Viver para sorver os novos rios que virão.
Eu sou inacabado. Preciso continuar.
Se a mim for concedido o direito de pausas repositoras, então já anuncio que eu continuo na vida. 
A trama de minha criatividade depende deste contraste, deste inacabado que há em mim. 
Um dia sou multidão; no outro sou solidão. 
Não quero ser multidão todo dia. 
Num dia experimento o frescor da amizade; no outro a febre que me faz querer ser só. 
Eu sou assim. Sem culpas.

Padre Fabio de Melo

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