domingo, 16 de outubro de 2011

Todos por todos

A generosidade não é só doar o que se tem de sobra. Há muitas outras formas de pôr esse valor em prática no dia-a-dia – e criar um ciclo onde quem faz o bem ganha tanto quanto quem o recebe.
 
“Generosidade é a capacidade de compartilhar e proteger a vida. Podemos doar coisas materiais, mas também a amizade, o amor, a lealdade, um beijo, o ouvido para uma conversa”, diz o filósofo Mário Cortella.
Atitudes muito simples, como ser atencioso com o estranho que lhe pergunta onde fica aquela rua, ter paciência com o filho, relevar o mau humor do colega, reconhecer com um elogio um trabalho bem-feito ou fazer a gentileza de parar o carro para a moça cheia de sacolas atravessar a rua, também são generosidade.
 
E, indo além, doar dinheiro, tempo, trabalho e conhecimento, em um voluntariado ou no dia-a-dia, também. Para Cortella, não importa a ação – só aprender que “fazer o bem é bom e faz bem”.

Parece uma obviedade. Mas é só olhar ao redor para perceber que, apesar de tantas possibilidades que temos de fazer algo pelos outros, a generosidade é artigo em falta.
Você tem medo de sair da fila do banco para preencher um papel e perder o lugar?
Acha o ambiente profissional hostil, com os colegas sem disposição para trabalhar em equipe?
Irrita-se com a falta de consideração das pessoas no trânsito, que não dão passagem nem para sair da garagem?
Fica chateado se não vê seu esforço reconhecido?
Provavelmente você tem outros exemplos de como a ausência da generosidade deixa a vida mais estressante. E talvez sinta que as coisas estão cada vez mais difíceis.
Está certo: nem sempre foi assim.

Se estamos aqui hoje é porque durante sua evolução, o homem contou com um poderoso instinto de cooperação. Fracos, incapazes de se proteger sozinhos dos predadores e de resistir a longos períodos de frio e sem comida, nossos ancestrais pré-históricos precisaram ser extremamente unidos e colaborativos para sobreviver. Se alguém não comesse, o grupo ficava menor e, mais fraco, todos acabariam sucumbindo. A saída, então, era compartilhar.

O espírito do coletivo ainda é prioridade em muitas comunidades do mundo, como entre as tribos nômades da África.
Nelas, quando um filho se casa, em vez de sair da casa dos pais, ele agrega a esposa ao resto da família, fazendo da união uma força.
A lógica também predomina por aqui, geralmente entre famílias mais pobres. “Numa favela, quando crianças ficam órfãs por causa de um incêndio ou deslizamento, é muito comum que a vizinha as adote, mesmo com toda dificuldade.
Para ela vale o lema ‘onde comem três comem sete’”, diz Cortella. “Entre a classe média e alta, o normal é que nem se saiba o nome do vizinho de porta. O que impera é o ‘cada macaco no seu galho’”, completa.

Não é que pobres sejam bonzinhos e ricos, egoístas, mas, sempre que as dificuldades aparecem, aquele espírito de cooperação que ajudou os homens das cavernas prevalece.
Como o desenvolvimento econômico diminuiu um bocado as dificuldades para conseguir casa, comida e outras necessidades básicas, a cooperação pôde sair de moda em alguns lugares, para que as pessoas pudessem pensar mais em si mesmas.
“O coletivo perdeu espaço para a individualidade, que também é um valor importante para a formação da identidade. O problema é que passamos a dar um valor exagerado a ela”, diz Cortella.

Essa cultura, que conhecemos bem, se alastrou pelo mundo e concentrou pessoas em torno dos próprios objetivos e problemas.
Aos poucos, deixamos de ser arquipélagos para nos tornar ilhas, palavra que vem do italiano isola, sinônimo de isolamento.
Além de contar cada vez menos com a colaboração do próximo, ele virou concorrente, quase um inimigo.

Daí a gente se ver com tanta freqüência naquelas situações de frustração e estresse, com medo de alguém tomar nosso lugar.

Generosidade é...Aceitar a diferença para promover a igualdade. 

Texto: Tarso Araújo



 

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