quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Despedidas


Despedida é sempre triste? Eu mesmo respondo, já que perguntei: nem sempre. As lágrimas parecem inevitáveis, mas elas podem expressar apenas o momento da separação, da ruptura, aquele instante em que alguém foge ao alcance de nossos olhos e de nossas mãos. No entanto, mesmo sob o manto de uma tristeza, o que pode inundar aos poucos o coração, muitas vezes, é uma alegria de que a gente só se dá conta depois da despedida.

Como todo mundo, eu já passei por despedidas sofridas. Quando meu pai estava internado no hospital, em seu último dia de vida, eu passei a tarde inteira ao lado dele. Estava lúcido, dormia a maior parte do tempo, debilitado pela doença, mas nas vezes em que despertava e trocava olhares comigo, ou algumas palavras, eu sentia que ele estava indo embora. Eu tentava falar do Botafogo ou de alguma enfermeira boazuda quando os olhos dele se abriam para proporcionar alguns últimos momentos de alegria a quem me deu tanta felicidade na vida. Mas houve aquele instante em que a despedida parecia tão próxima que eu aproveitei os últimos momentos com ele ao meu alcance para acariciar seus cabelos ralos enquanto dormia, beijar sua testa, segurar a sua mão, sentir o pulso ainda batendo. Foi como um réquiem de adeus, triste demais. Hoje eu me lembro daqueles momentos como uma réstia de alegria possível diante da fatalidade. Passou um tempo imenso, mas alguma alegria surgiu daquela despedida.

Outro dia fui levar minha filha mais nova, a Cecília, para sua primeira viagem de colégio, uma excursão ao Vale do Paraíba. Dessas de dormir fora uma noite, de levar a mochila com pijama, muda de roupa, escova e pasta de dente. Tínhamos combinado de sair às seis, mas às cinco e meia da madrugada ela já estava pronta, de banho tomado, maquiada e tudo. No caminho até o colégio, ela não parava de falar e eu, ainda acordando, mal conseguia responder. “Acho que vou explodir”, disse ela a certa altura, de tanta excitação. 

Na porta do colégio, enfileirados junto ao muro, os pais acenavam para os filhos já sentados no ônibus. Alguns faziam últimas recomendações inúteis, como “me passa um torpedo quando chegar lá” ou “não esquece de passar o repelente à noite”, mas eu só conseguia admirar a movimentação intensa da Cecília, sentada na janela, falando como uma tagarela com as amigas, tirando fotos com a máquina que me pedira emprestada. Quando a professora disse que era hora de partir, foi uma algazarra: a porta do ônibus fechando, alguns pais querendo ainda gritar instruções, como técnicos à beira do gramado, outros já apressados se despedindo porque tinham que voltar para casa e ir trabalhar. Eu só queria ver se a Cecília ainda me daria um último olhar de despedida. E ele veio imenso, generoso, os olhos arregalados de vulcão, um sorriso largo.

Ainda bem que eu tinha levado os óculos escuros. Voltei caminhando até o carro misturando lágrimas e lembranças. Fui buscar a minha primeira viagem de colégio no escaninho da memória. Lembrei até do sanduíche de presunto e do suco de groselha, mas não me lembrei da despedida. Eu devia estar em outra esfera, como estava a Cecília.

Não apareço nas fotos da viagem ao Vale do Paraíba. Se a memória da Cecília seguir a trilha da minha, provavelmente ela não irá lembrar a despedida na porta do colégio. Também sei que, enquanto meu pai dormia no hospital, não sentia os carinhos que eu lhe fazia. Mas o que importa? Esse instante da despedida é nosso, só nosso. E cada vez mais eu acho que a alegria, no fim das contas, suplanta qualquer tristeza. Porque cada despedida carrega um novo recomeço.

Alexandre Medeiros (jornalista da Revista Época)


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