domingo, 19 de fevereiro de 2012

Difícil

“Difícil aspirar as pessoas como o aspirador de pó”
(Perto do Coração Selvagem, Clarice Lispector)

Difícil dizer uma coisa que nunca ninguém tenha dito (ou escrito).
Difícil crer em alguma utopia, quando as melhores ideias da juventude não aconteceram (pior: ficaram rarefeitas, acima da linha kármán).
Difícil comunicar algo que ninguém parece se interessar em ouvir (impossível?).
Difícil espantar os pernilongos que gestaram neste verão, no úmido e quente, e adoram me morder (o que o meu sangue tem?).
Difícil cuidar de quem acha que sabe se cuidar sozinho (e escutar: eu pedi?).
Difícil se sentir inútil para o mundo (a Loucura inverte este sentido?).
Difícil sentir o vento e querer estar em seus braços (o vento não tem ouvidos?).
Difícil não conseguir mudar hoje o que precisava ser mudado ontem (dormi no ponto?).
Difícil flutuar na superfície das coisas, quando já se conheceu abismos e cumes (quando se repousa?).
Difícil não ter a receptividade para a vida de um cachorrinho nenê (bicho consegue e bicho homem não?!?). Difícil esvaziar a mente, e ser zen (mas não é toda hora, é?).
Difícil não ser árvore e rejeitar o estrume quando ele pode adubar alguma aridez de alma (qual é a composição do estrume d´alma?).
Difícil capotar sozinho em nuvens densas apenas imaginadas (Quem vê o invisível?).
Difícil renunciar a alguns sonhos quando o relógio avisa que o tempo esgotou (como saber quais devo tirar da bagagem?).
Difícil querer uma saída para um problema e perceber que a Chave está do lado de fora, que depende de outras gentes que não querem (não podem? não conseguem?) encontrar a Porta.
Difícil não se sentir compreendido. (Não, isto não é difícil, isto é uma Tragédia, mas isto é uma pergunta ou afirmação?).

Nossas Letras
Maria Luiza Salomão

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