sexta-feira, 9 de maio de 2014

Mães e mulheres


Se a mulher parar e analisar o que será sua vida depois de mãe, ela não vai querer ter filhos. A sobrevida maternal é desfiar de insanidades. 
Nunca mais, por exemplo, dormir noite inteira, muito menos cumprir o ritual de filme americano: escovar dentes, pentear cabelos, pôr linda camisola, deitar-se languidamente, acender o abajur, ler sem interrupção sobre almofadas macias, desligar o abajur, virar-se para o canto, apagar e só acordar na manhã seguinte quando o olho abrir sozinho. 
Uma noite inteira, depois? Nem sob o efeito de poderoso soporífero, daqueles derruba leão, desculpe, leoa. (A mulher não pensa nisso, quando decide se tornar mãe.)

Suspeita nunca confirmada: desconfio que, no momento do parto, nasce-nos poderosa mola invisível. 
O filho geme no quarto ao lado e nos surpreendemos: sem saber como, acordamos em pé ao lado do berço ou da cama - tenha o filho a idade que tiver. 
A mãe sente quando ele ficará doente, a despeito da febre ou da dor ainda não manifestas. 
Ela sabe, percebe, lê nas entrelinhas quando a mentira permeia ou embasa o discurso dele. 
Ela se contorce pela dor do filho seja quando ele arranca dente, toma soco, sofre injustiças ou perde um amor. 
Ela compartilha, mensura a dor do filho pela sua própria, de mãe. 
Mãe tem sexto sentido. Tem poder adivinhadeiro. (A mulher sofre metamorfoses internas e externas para virar mãe.)

Elas trabalham em pé o tempo inteiro, não têm férias, salários, descanso remunerado e estão em atividade segundo após segundo, ano após ano. 
A única promoção que ganham é a mudança de status acompanhada do dobro de trabalho e preocupação, quando passam de mãe para avó. 
No entanto creem-se recompensadas ao receber olhar, abraço, beijo, bilhete, flor, cartão dos filhos ou dos filhos destes. (A mulher é profissional, a mãe é só poesia.)

Filhos, ao nascer, poderão fazer a mãe se angustiar e, quem sabe, se frustrar - mesmo com pré-natal supervisionado por tecnologia e profissionais dedicados. 
Algo pode dar errado com relação ao bebê. É angustiante produzir algo, pedacinho por pedacinho, sem idéia do resultado, além de que, podem ser decepcionantes coisas mínimas: onde ela sonhava placidez, dão-lhe o aflito bebê; no lugar do loirinho de olhos azuis, apresentam-lhe o moreno de olhos de jabuticaba; não a menina delicada, mas o menino agitado e inquieto. 
Fica-se permanentemente sob a espada. Podem surgir grandes complicações: a doença insidiosa e irrecuperável, a exigência de cuidados constantes. 
Bem, se a desesperança frustra, os filhos entram em suas vidas como avassaladores tsunamis, e elas conseguem coragem e disposição, reorganizam o caos e oferecem inimagináveis exemplos de formas de amar. (Mulheres são previsíveis, mães surpreendentes.)

Gerar e parir um ser não conferem santidade a nenhuma mulher. 
A tarefa executada diária e diuturnamente de transformar o ser bruto que recebeu em ser humano, esta sim torna a maternidade santificadora. Mães, por serem pessoas, às vezes se tornam feras. 
No oposto da criatura que parece idealizada e moldada segundo estereótipo de perfeição, há mulheres que relegam os filhos, que não se importam com eles, que são egoístas, vivem encapsuladas, se mostram incapazes de amar. (Algumas são apenas mulheres que pariram; aquelas outras são mães.)

Há pais maravilhosos que compartilham e participam da vida do filho. 
Pudesse, eu os premiaria: sentir o primeiro movimento do filho no útero; perder o ar quando ele se empelotar e deformar a barriga, mais o primeiro sorriso consciente do bebê. 
Torceria para que, um dia, recebessem desenhado no papel de embrulhar pão, o rabisco de estranho alienígena de corpo redondo e pernas finas, dois riscos no lugar do cabelo, coração enorme circundando tudo e três palavras: eu amo você. 
Para mães, o mínimo é sempre mais.

Lúcia Helena Maníglia Brigagão -Jornal Comércio da Franca

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