segunda-feira, 7 de julho de 2014

Xô, Rainha Vermelha!

“Nós nos tornamos máquinas de trabalhar e estamos transformando nossas crianças em máquinas de aprender”. Augusto Cury, médico psiquiatra e escritor



Vocês se lembram da história Alice no país das maravilhas?

Hão de estar lembrados da rainha vermelha. Foi ela que tomou Alice pela mão e a arrastou a toda velocidade pelo mundo encantado do fundo do espelho, gritando: “Depressa! Depressa! Não tente falar! Depressa!” Era um excelente personagem imaginário e muito divertido para crianças que há anos leram a história.

Sou capaz de apostar que as crianças de hoje não a consideram tão engraçada nem tão imaginária. É que a rainha vermelha saiu das páginas de ficção e transmitiu seus hábitos a pais e mães em toda parte. Se conseguirmos parar um instante para refletir, veremos que a tendência em relação aos nossos filhos é a de torná-los adultos o mais rápido possível. Ou ainda: transformá-los em máquinas de aprender.

Hoje em dia os pais pensam que depois da escola é preciso haver um complemento enriquecedor sob a forma de aulas de inglês, natação, balé, academia, aulas particulares, caratê, religião...

Curioso também é notar que paralelamente a esses procedimentos cresce o número de psicólogos que estão atendendo crianças em seus consultórios. A criança já está indo para o divã da terapia em lugar de passar tardes sob uma mangueira ouvindo bem-te-vis e imaginando figuras nos contornos das nuvens.

“Isto é coisa do passado!”, diria o leitor, “não leva a nada no futuro”, completaria ele. Mas as gerações nascidas nos anos 50 e 60 já provaram que uma infância mais próxima do parcimonioso ócio junto à natureza conseguiu levar homens a cargos de alta relevância nas empresas, nas indústrias, na política, na economia, nas artes, na cultura em geral. A pressa e o acúmulo de atividades não são sinônimos de formação precoce para o sucesso. Triste ainda é ver que os olhos de tantas crianças bem nutridas estão fixos não na natureza, não nos livros, mas na tela hipnotizadora da Internet, sob quaisquer aparelhos, do simples computador ao WhatsApp.

A verdade é que as crianças não são mais chamadas “crianças”. São todas “pré” alguma coisa. Mal o bebê sai do seu cercadinho, está em idade pré-escolar; quando chega à idade escolar, nós o agarramos pelo braço e o consideramos pré-adolescente. Quando chega à adolescência, tendo de enfrentar os problemas complexos dessa época, continuamos a impedir que ele siga o ritmo natural da vida e dizemos que ele já é um jovem adulto.

“Estamos quase chegando”, conseguiu Alice arquejar finalmente. “Quase chegando?”, repetiu a rainha vermelha, “Ora, já passamos por lá há 10 minutos. Depressa, depressa, vamos mais rápido!”

Parece ser comum os pais dizerem algo parecido a “Se você não conseguir notas melhores, nunca chegará à faculdade. E se não entrar para a faculdade, nunca chegará a ter um emprego bem remunerado!” E lá vai o menino com a pressão do mundo adulto sobre os ombros: “Depressa! Depressa! Você tem de vencer. Seja esperto! Não se deixe ficar para trás. Corra! Corra! Depressa!”

Não condeno em hipótese alguma pais nortearem a vida de seus filhos pela responsabilidade para com suas funções escolares, a cortesia, a educação social, o respeito às instituições... Ressalto de forma convicta que o acúmulo de atividades (muito além da capacidade natural de absorção da criança) mais a exigência do compromisso com o êxito, com margem mínima de erro, não pode ser considerado formação ideal e saudável. Nem eficaz: basta exemplificar com o número assustador de jovens japoneses que se suicidam por não serem aprovados nos exames introdutórios aos cursos superiores. É muita pressão.

Já é tempo de examinarmos os nossos próprios atos em relação às crianças e adolescentes. Penso nos filhos: é preciso abraçá-los, protegê-los, acolhê-los, tirá-los o quanto antes das mãos da rainha vermelha. Se uma língua estrangeira é vital na época de hoje, que ela seja estudada de forma pontual e sensata, mas nunca concomitantemente com dez ou doze outras tarefas, de modo a não permitir à criança, ao adolescente, ao jovem o contato consigo mesmo e com a própria vida.

Comecemos a insistir para que as crianças sejam crianças e façamos a rainha vermelha voltar ao livro de histórias, de onde ela nunca deveria ter saído.

PS: meu prezado leitor - confesso que o título deste artigo encimava um texto de teor político; a rainha vermelha representava nossa presidente, cujo partido se tinge da mesma cor. Havia coerência entre a pressa na história de ficção e a pressa em entupir, por um exemplo, salas de aula de cursos superiores com alunos bolsistas, sem o mérito da capacidade e o desprezo pela excelência no ensino e na pesquisa. Optei pela criança, pois é mais fácil endireitar o broto que o galho velho, retorcido.

Do Jornal Comércio da Franca
Everton de Paula, acadêmico e editor

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