domingo, 22 de abril de 2012

Simplicidade

Sou do tempo em que o mingau de fubá era a primeira refeição do dia.
A roupa branca quarando no varal, o cheiro de broa de milho, o calor do forno de tambor que ficava na varanda. 
Vida emoldurada de matéria simples, quase silenciosa.

Essa vida moderna não tem nada de artesanal. Tudo é feita às pressas.
Antes, a vida demorava para acontecer.
A confecção de um vestido cumpria os passos de um ritual. Procura do modelo, a compra do tecido, os aviamentos, a escolha da costureira, a negociação. Depois a primeira prova, a segunda, e, finalmente, o vestido pronto.
Hoje não.
Olha na vitrine e leva.
Não há espaço para a espera que nos permite ocupar a mente.
Os sabores não demoram em nós. O prazer da roupa nova é reduzido drasticamente ao momento da compra e ao primeiro uso.
Antes, o prazer de procurar os detalhes. Deleite prolongado talhando a alma, tal qual a tesoura talha o tecido. A costura, os bordados,os reparos.

O todo constituído de partes que nos ensinavam a saborear o período das esperas.

Recordo-me...

A jabuticabeira florida era epifania de uma felicidade de época. Alegrias com cores de novembro. Chuvas torrenciais que nos permitiam tardes de prazeres delicados.
Observar a metamorfose das flores em frutos era satisfação sem preço.
A natureza costurada de regras consumava diante de nossos olhos o ditado bíblico diz que debaixo do céu há um tempo para cada coisa.
Era o tempo alinhavando os destinos das floradas,enquanto no silêncio do coração uma primavera fora de hora insistia em lançar pequenos brotos.

Sou do tempo em que tristeza era curada com uma mala de roupa pra lavar.
O sabão e sua espuma sugerindo limpeza.
Por dentro e por fora. A mesma água lavando sujeiras diferentes,alvejando roupas e alma num mesmo movimento.
Tanque cura tristeza. Sol quente favorecendo o desejo de quarar as mazelas do mundo,retirando as manchas do tempo,os desatinos do passado. A água e sua capacidade de atingir o mais profundo,ultrapassando a pele e chegando aos destinos mais ocultos.
A sujeira da roupa sendo desfeita pela força dos gestos das mãos.
Do gesto,o que se desfeita pela força dos gestos das mãos.Do gesto, o que se desprende,como se houvesse uma continuidade que os olhos não enxergam,mas que a alma recebe em silêncio.prostrada.

Estes fragmentos foram retirados do livro Mulheres de Aço e de Flores, de Fábio de Melo, do tópico Simplicidade.

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