sexta-feira, 11 de março de 2016

O camponês e o burro


Era uma vez um camponês que tinha um burro. 
Um dia o animal caiu acidentalmente num poço e não conseguia sair de lá. O camponês tentou várias vezes libertar o burro, mas não era possível. 

Pediu ajuda a uns amigos, mas mesmo assim não conseguiram nada. Ao fim de vários dias desistiu. 
O poço estava seco, o burro estava velho e a única solução era enterrá-lo lá.

Pegou numa pá e começou a deitar terra no poço. O burro ficou desesperado ao aperceber-se do que estava a acontecer. 
Começou a zurrar cheio de amargura. Fazia dó ao camponês, mas ele não via outra solução. Até que num momento determinado deixou de ouvir o animal. 
Aproximou-se com temor da boca do poço para contemplar o cemitério. Com espanto viu algo insólito. 
Cada vez que o burro recebia a terra em cima, sacudia-a com decisão e pisava sobre ela. Com esta operação, na qual estava profundamente concentrado, já tinha subido mais de um metro dentro do poço. 
O camponês sorriu. Continuou a deitar terra e em pouco tempo o burro estava cá fora.


Todos nós temos dificuldades na vida. A diferença está no modo como reagimos diante delas. 

Existem pessoas que passam a existência a queixar-se, deixando-se soterrar pelas contrariedades. São pessimistas por natureza. 
Olham com ironia para aqueles que parecem felizes. Pensam que são ingênuos, doidos, que ainda não descobriram que esta vida não tem nenhum sentido. 

Não respeitam nada. Para eles não há nada que seja sagrado. Tudo se pode banalizar, ridicularizar, porque nada tem sentido. 
E se tem, não pensam dedicar nem cinco minutos a pensar nele. 

Talvez tivessem que mudar de vida, de atitude. Isso exige esforço e dá trabalho. Nada vale a pena, porque a alma é pequena.

Um cristão sabe que isso não é verdade. 
Sabe que foi criado por Deus por amor e que está chamado a viver com Ele para sempre na eternidade. 
Sabe que a sua vida tem um sentido e que as dificuldades que lhe surgem também. 

Tem uma profunda confiança em Deus e não duvida que, como diz São Paulo, “tudo é para bem”. 

Esta certeza fá-lo encarar as contrariedades como aquilo que são: uma oportunidade para crescer. 
Crescer no amor a Deus e crescer no amor ao próximo. 

Por isso, quando as dificuldades aparecem, sacode-as de cima com oração, esforço e otimismo. 

Também com a serenidade de quem sabe que a felicidade em plenitude não pode ser alcançada nesta vida. Está reservada para a futura.

E depois pisa essas dificuldades e assim robustece a sua fé e aproxima-se mais da vida que não terá fim. 

Diante das contradições não perde a paz, porque sabe que tudo procede do amor. Tudo está ordenado à salvação do homem, e Deus, que é Amor, não permite nada que não seja com essa finalidade.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria

A voz da avó



Entrei no pequeno apartamento, gostava dele. Apanhava bastante luz do sol, tinha uma vista incrível da basílica, especialmente ao entardecer.

Aos poucos, fui tornando-o meu. Porta-retratos carregados de amores, sapatos espalhados, livros abertos no chão, temperinhos na cozinha. Depois de uma semana, já era a minha casa.

Noite fria, sentei-me em frente ao computador, santo Skype, tocou, tocou e ela atendeu. No primeiro “alô”, senti como se sua voz, tão doce quanto esganiçada, começasse a se espalhar pelo piso e subisse lentamente pelas paredes, como uma tinta coral aveludada, impregnando cada um daqueles poucos metros quadrados com sua presença, que mais se parecia com um abraço quente.

Não importava o quanto eu gastasse com a decoração. Foi a voz dela que finalmente transformou aquela casa num lar.

A voz da avó. Coisa poderosa. Não importa qual é o timbre, se é estridente, rouca ou tremida. Não importa se é mansa ou gritada. Não importa se é ou não capaz de entoar canções de ninar.

A voz da avó pode dizer tudo o que quiser sem que soe como exigência, afronta ou desaforo. A voz da avó tem carta branca e livre trânsito, não nos acua e mesmo quando pergunta o que não deve, não provoca qualquer sentimento de reprovação.

A voz da avó soa sempre como cuidado, como demonstração genuína de afeto, ainda que, às vezes, por vias tortas.

A mesma frase, na voz da mãe e na voz da avó soa completamente diferente.

“Você não comeu?”

Na voz da mãe é cobrança, na voz da avó é oferta. Na voz da mãe é preocupação, na voz da avó é cuidado. Na voz da mãe é ordem, na voz da avó é doce.

“Você está sem casaco?”

Na voz da mãe, vem bronca, na voz da avó, vem lã. Na voz da mãe é gripe, na voz da avó é chocolate quente. Na voz da mãe é “eu canso de falar pra você se agasalhar”, na voz da avó nunca tem cansaço, mesmo com as cordas vocais já tão gastas.

Longe de ser uma acusação às mães. Muito pelo contrário. Mães são o que tem que ser: educação, firmeza, base. Já avós, podem se dar o luxo de ser o que querem ser: delícia, leveza, afago.

Nem sempre elas dirão coisas boas. Às vezes vão dar seus gritos, seus resmungos, suas reclamadas. Porque são humanas. Aliás, são deliciosamente humanas.

Um dia, quando criança, fiz qualquer bobagem e minha avó me chamou de “sua merdinha”. 
Achei a maior graça. Acabei até gostando. Incrível como até merda, na voz da avó, vira amor. Incrível como só elas podem dizer certas coisas.

Feche os olhos, ouça sua voz.

Faça uma gravação imaginária. Guarde na sua melhor gaveta. Ouça de novo. Garanta que não esquece. Elas não duram para sempre. Mas a voz delas sim. A voz delas marca- e fica. 
Ouça enquanto pode e guarde naquela sua gaveta. 
Na melhor gaveta de todas, já que não podemos simplesmente atracá-las ao peito.

RUTH MANUS

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Em que silêncio tens procurado?


Antes de dizer à vida o que queremos, importa escutar o nosso íntimo, para que, em silêncio, o coração e a razão nos indiquem o sentido que escolheriam para a nossa vida.

Há o silêncio da coragem daquele que luta, mas está em paz... e o silêncio da derrota daquele que se cala, cultivando ódios e fermentando vinganças, a propósito de maldades que, tantas vezes, nem sequer existiram...

Há o silêncio da contemplação e o do desprezo...

Há o silêncio dos segredos e mistérios, e o silêncio onde tudo se descobre...

Há o silêncio em que com alegria se espera, e aquele em que se desespera, numa angústia onde a ansiedade semeia pesadelos e dores…

Há o silêncio da pureza que se guarda para o momento certo e o silêncio de quem, arrependido, empregou a sua pureza no tempo errado...

Há o silêncio de quem se esforça, o de quem descansa, mas também o de quem finge...

O silêncio é a luz das grandes obras. Só quando nos fazemos pequenos podemos compreender a grandeza do que nos ultrapassa. Só o silêncio permite que vejamos com atenção. Admirando como quem escuta.

Notas soltas não são melodia... É preciso calar as inutilidades se se quer chegar mais fundo. É tão heroico dizer o que se deve, quando se deve, como é calar o que não acrescenta nem faz bem algum.

Estamos aqui de passagem, mas com o dever de fazer algo com sentido. Só no silêncio da fé se abraçam a paixão e a razão.

Há quem viva uma vida inteira sem nunca querer saber a verdade… um dia de cada vez, como se pudesse começar e acabar quando lhe parece bem... mas escolher uma vida assim é como decidir coser sem linha.

Há um silêncio em que tudo se entrelaça, em que se desfazem os nós, se fecham as feridas e se cosem todos os pedaços... tecendo um eu, inteiro... uma obra perfeita, cheia de imperfeições.

JOSÉ LUÍS NUNES MARTINS

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Por que a pressa?

Por que a pressa, se “a gente só chega ao fim quando o fim chega”?


Quando o meu coração se soube eterno, fiz as pazes com o Tempo. Esse assunto é de grande importância porque desequilibramos a balança das prioridades e, hoje, importa-nos mais a habilidade de nossas asas que a profundidade de nossas raízes.

Eis o meu pacto com o Tempo: eu não o esbanjo em entreveros desnecessários, tarefas infrutíferas, discussões inócuas ou com qualquer coisa que, não sendo absolutamente necessária, venha causar-me desprazer ou desconforto. Ele, por sua vez, entrega-me as 24 horas do dia como uma fatia da Eternidade e, nela, tento espelhar não o caos do mundo qual estou inserida, mas a paz do meu mundo interior.

A vida aqui fora é uma vertigem, mas o Homem, nauseado e tonto, caminha sem direção e nem o percebe. Ele precisa adestrar as asas… Importa é a pressa com que vai adiante, a rapidez das realizações, a facilidade com que se adapta ao novo. Importa não parar. E assim, reciclamo-nos, compramos novos equipamentos, adquirimos o domínio de novas tecnologias, e estudamos manuais, novos cursos, especializamo-nos e adaptamo-nos sob pena de quedarmos à margem da pós-Modernidade de hoje.

É assim que o Homem se faz escravo de suas próprias asas, embora desconheça essa sua condição. Ignorante, adoece: depressão, ansiedades, pânico, síndromes de diversas ordens dão a tônica das emoções humanas…

Já estive entre aqueles que se ocupavam de estampas e valoravam rótulos. Já tive pressa de vencer. Já tive vaidades de sobrepujar adversários ou de ostentar riquezas e glórias. Eu queria o máximo da agilidade das asas. Então um dia eu desobedeci a ordem das coisas, e parei.

Muitos se assustaram. A família, os amigos, eles pouco entenderam, mas eu estava entabulando uma conversa com o Tempo. Era preciso fazer as pazes com ele para que a asa se exercitasse lá fora enquanto as minhas raízes se aprofundavam aqui dentro.

Manoel de Barros, poeta cuja filosofia nos leva a valorar as insignificâncias e a questionar as opulências, dizia dar mais importância aos passarinhos que aos senadores. Ele se apercebeu dessa e de muitas outras verdades quando ficou pasmo diante da velocidade do avião (máquina avoadora). Logo ele, que tinha cisma com lesma por achar que ela anda muito depressa.

Nesse mesmo poema, o Barros nos diz uma verdade inquestionável que deveria penetrar a nossa alma e acalmar-nos de sorte a permitir que nossas raízes de fato ganhem profundidade e força:
“A gente só chega ao fim quando o fim chega!
Então pra que atropelar?”

Por Nara Rúbia Ribeiro
Advogada, poeta, escritora, idealizadora e responsável pela edição geral da Revista Pazes.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Tarefa aos alunos

Um professor deixa uma tarefa aos seus alunos e, em razão disso, se torna internacionalmente conhecido

Cesare Catà leciona numa cidade costeira da Itália. No verão passado, ele orientou os seus alunos a cumprirem 15 tarefas que valeriam 15 pontos.

As tarefas ganharam grande repercussão nas redes sociais e o professor, além de ganhar o coração de seus alunos, conquistou-nos a todos. Todas as tarefas são simples, o que nos faz recordar que é na simplicidade que reside a maior sabedoria.

Foi a melhor tarefa de verão que eles poderiam ter realizado.

Segue a lista:

1 – Passeie pela manhã ao longo da costa, em total solidão, olhe para o brilho do sol sobre a água e pense nas coisas que fazem você feliz.

2 – Procure usar palavras novas que aprendeu neste ano. Quando mais puder usá-las, mais interessante poderá pensar e, quanto mais pensamentos tiver, mais livre será.

3 – Leia! Tudo o que puder. Mas não por obrigação. Leia porque o verão inspira sonhos e aventuras e a leitura é como voar. Leia porque é a melhor forma que existe para se rebelar (me procure, se precisar de conselhos sobre o que exatamente ler).

4 – Evite tudo o que provoque negatividade e lhe gere uma sensação de vazio (tanto coisas, como situações e/ou pessoas). Busque inspiração e amigos que lhe enriqueçam e entendam e que gostem de você pelo que você é.

5 – Se sente tristeza e medo, não se preocupe, o verão, como qualquer outra coisa maravilhosa da vida, pode levar a alma a se confundir. Leve sempre com você um diário e descreva como se sente (no outono, se quiser, podemos lê-lo juntos).

6 – Dance e não pare. Em todas as partes, em qualquer lugar: numa pista de dança, em seu quarto sozinho. O verão é um baile e é um desperdício não participar dele.

7 – Ao menos um vez, veja o nascer do sol e desfrute. Permaneça em silêncio e respire profundamente. Feche os olhos e sinta gratidão.

8 – Pratique muito esporte.

9 – Se está com alguém que gosta, diga isso a ela ou a ele da maneira mais bela e convincente possível. Não tenha medo de ser mal interpretado. Se não acontecer nada, então não é seu destino, mas se vocês se entenderem então o verão lhe pertencerá e será uma época de ouro (Se falhar, retorne ao ponto 8).

10 – Leia as anotações de nossas aulas, compare tudo o que lemos com o que está acontecendo em sua vida.

11 – Seja tão feliz como a luz do sol, livre e indomável como o mar.

12 – Por favor, não utilize palavras inadequadas. Seja cortês e amável.

13 – Assista a bons filmes com um diálogo emocional profundo (se puder, em Inglês, já que ajuda a melhorar o idioma e a desenvolver a capacidade de sentir e sonhar). Imagine que o filme não termina para você, mesmo aparecendo os créditos no final, viva-o uma vez mais e o inclua em sua experiência deste verão.

14 – O verão é magia. A luz do sol brilhante das manhãs e as tardes cálidas do verão é um clima ideal para sonhar com o que pode e deve ser a vida. Faça tudo o que depende de você para nunca desistir do caminho até os seus sonhos.

15 – Seja bom.


Retirado da Revista Pazes

domingo, 24 de janeiro de 2016

Onde está Deus?


Onde está Deus?


Perguntam tantos,
Quando vêem a terra tremer,
As águas a chover,
E os ventos a rugirem,
Contra as casas,
Contra as árvores.
Onde está Deus?
Perguntam tantos
Quando desperta a dor,
Acontece a adversidade,
Os olhos se enchem de água,
E a morte traz a saudade.
Onde está Deus?
Perguntam tantos,
Quando nos batem e ofendem,
Nos pisam e humilham,
Mesmo que façamos o bem,
Mesmo sem olhar a quem.
Onde está Deus?
Perguntam tantos,
Quando predomina a guerra,
Os homens se dão à morte
E parece que sobre a terra,
Já não há sul, já não há norte.
Onde está Deus?
Perguntam tantos,
Quando a criança tem fome,
E aos olhos suplicantes,
Parece que nada responde,
Nem mesmo por um instante.
Onde está Deus?
Perguntam tantos,
Porque têm os olhos fechados,
O coração encarcerado,
Num peito que o aperta,
Os braços sempre cruzados,
Num pensamento encerrado.
Onde está Deus?
Perguntam tantos,
Temendo que Ele os ouvisse!
E Ele sempre presente,
Em todo e cada momento,
Em cada um,
Em toda a gente.
Vai-se dando e entregando,
Assim todo e só amor,
Na tempestade
E na bonança,
No vento forte
E na brisa,
Em cada momento de dor,
Em cada morte,
Dando vida.
Sendo batido e ofendido,
Espezinhado e humilhado,
Mas dando sempre a mão
Fazendo-se sempre alcançado.
Está na guerra,
Pela paz,
E ilumina e conduz,
Cada homem sobre a terra.
Está no coração das crianças,
Em cada olhar suplicante,
A todos abraça e conforta,
Sobretudo ao homem errante.
E para O ver e sentir,
É preciso pouca coisa:
Descruzar os braços e sorrir,
Libertar o pensamento,
Deixar o seu coração voar,
Nas asas do eterno amor,
Acolher cada irmã
Abraçar cada irmão,
E amar, amar, amar….

Joaquim Mexia Alves

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Conselhos

....

Assim, procure manter o desejo de ajudar as pessoas, mesmo sabendo que muitas são incapazes de ver, reconhecer e retribuir seu gesto.

Não perca o equilíbrio, mesmo sentindo ventos contrários.

Mantenha a vontade de amar, mesmo sabendo que seu sentimento pode não ser correspondido.

Não perca a luz e o brilho do olhar, mesmo sabendo que muitos obstáculos escurecem seus olhos.

Não perca o seu forte abraço, mesmo sabendo que seus braços enfraquecem.

Não perca a vontade de doar este enorme amor que existe em seu coração, mesmo sabendo que, muitas vezes, ele será rejeitado.

Seja grande, mesmo sabendo que o mundo é perigoso.

Pe. Antônio Francisco Bohn

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

REAPAIXONE-SE, TODOS OS DIAS, POR QUEM JÁ ESTÁ AO SEU LADO…

“E cada verso meu será pra te dizer que eu sei que vou te amar, por toda a minha vida.”
(Vinícius de Moraes)



Essa mania que temos de enjoar das coisas e das pessoas nos leva a grandes perdas. 
Parece que estamos sempre visando a mais, a outra coisa e, desse modo, não conseguimos desfrutar o que já temos, o que já conquistamos. 
Nutrir sonhos e ser ambicioso é positivo, mas somente olhar para o que se quer muitas vezes nos cega frente a tudo o que já possuímos.

Em meio a essa frenética busca do que almejamos infelizmente podemos acabar nos distanciando de pessoas que estão junto de nós e que nos ajudaram a conquistar o que temos e somos hoje. Desgastamos, assim, um relacionamento que nos fortaleceu, de tanto que nossos olhos só parecem enxergar lá na frente, tornando-nos cegos em relação a quem já está ao nosso lado, lutando e sonhando conosco há um bom tempo.

De tanto ansiarmos pelo novo em nossas vidas, às vezes deixamos de valorizar o que já é parte do nosso dia-a-dia, descuidando-nos das várias riquezas que a vida nos concedeu. Por isso é que tantos relacionamentos deixam de ser amorosos, para se tornarem um descompasso de idéias, desejos e objetivos. 
Por essa razão é que muitas vezes deixamos escapar por entre os dedos o amor maior de nossas vidas, em troca de infidelidades efêmeras e vazias de afetividade.

Por que procurar alguém lá fora quando já existe alguém que nos ama e nos dedica parte de sua vida à nossa? 
Por que achar que todo o amor que um dia uniu dois corações apaixonados morre de uma hora para outra, sem possibilidades de renovação? 
Por que parar de sorrir para a pessoa que dorme ao nosso lado, de lhe roubar beijos furtivos, de lhe tocar as mãos, de lhe perguntar como se sente, de lhe enviar mensagens apaixonadas e de lhe declarar o nosso amor e admiração?

Os sentimentos podem parecer adormecidos, dada a carga de trabalho excessiva e de preocupações que se avolumam em nossa vida, mas, se já houve amor sincero, possivelmente ainda há uma fagulha dele que possa ser reacesa. 
Precisamos ser gratos à pessoa que esteve ao nosso lado por tempos, pois tudo o que obtivemos e construímos deve-se a ela também. 
Gratos e dispostos a reencontrar dentro de nós os sentimentos que pareciam perdidos, porque provavelmente o amor está entre eles, esperando por força e motivação de nossa parte.

Amores acabam, sim, mas não é fácil algo tão pungente e mágico, como o é um amor verdadeiro, arrefecer por completo. 
Não podemos deixar o tempo transformar em túmulo os nossos desejos, principalmente em relação a alguém que entrou na nossa história e a tornou melhor e mais completa. 
É preciso acordar disposto a alimentar o amor, todos os dias, a qualquer momento, onde estiver. 
É preciso lembrar que estamos juntos com alguém que pelo menos já foi o amor de nossas vidas e que muito provavelmente sempre o será.

Cultivemos os sentimentos que nos uniram com nosso amado, dedicando-lhe parte significativa de nossa atenção, de nosso olhar, de nossa vida. 

Se acalmarmos os nossos passos e não permitirmos que a frieza do mundo lá fora adentre nossos sentidos, estaremos prontos para amarmos de novo e de novo quem sempre esteve ali bem juntinho, nos momentos de gozo e de sofrimento, lutando por nós e acreditando em nossos sonhos. 
Porque o amor possui uma força descomunal e uma capacidade inesgotável de se reinventar, ressignificando nossa vida, sempre a tornando mais gostosa de se viver, junto às pessoas que nos amam de verdade. 

Antes de desistirmos, portanto, é preciso que busquemos nos apaixonar e nos reapaixonar pelos olhos cúmplices que buscarão pelos nossos todos os dias, até o fim de nossas vidas.

 Marcel Camargo
Graduado em Letras e Mestre em "História, Filosofia e Educação" pela Unicamp/SP, atua como Supervisor de Ensino e como Professor Universitário e de Educação Básica.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Gritos desnecessários


Perdoe-me o aparente equívoco do título deste artigo. Da contradição. 

Gritos são sempre desnecessários. Gritos no sentido que utilizo neste texto. 
Um grito de gol é necessário. É bom. 
Um grito de chamamento também. Uma metáfora de uma força que nos impulsiona a prosseguir. 
Um grito de adeus em um porto para um navio que se vai. Os imigrantes viveram muito isso em tempos de despedidas definitivas.

O grito de que trato é outro.
Um grito de uma mãe para um filho. 
Um grito de um namorado para a namorada. Pelo menos na situação que presenciei dias desses. 

Em uma saída de faculdade. Havia muita gente e muito barulho e não deu para saber detalhes. Deu para ouvir um homem gritando para uma mulher. Tratando-a como um objeto. Utilizando palavras desnecessárias em qualquer tipo de relação. E com tom acima do adequado. Namorados brigam. Seres humanos se desentendem. Há sentimentos contraditórios nas relações: paixão e ciúme, desejo e medo, confiança e desequilíbrio. E é de equilíbrio que falo, quando falo dos gritos desnecessários. Não poderiam esses dois conversar em local menos tumultuado? Ouvi dele, aos berros: "Há anos que te aturo e você me apronta essa?”. São anos de relação? Não há intimidade para limpar a sujeira em ambiente mais acolhedor? 
No mesmo dia, vi uma mãe gritando com uma criança. E, de novo, o grito. O grito desnecessário. 

Crianças não aprendem com gritos. Aprendem com palavras que tocam e com exemplos que dignificam a vida.
Há muitos desequilíbrios por aí. Pessoas que se perdem por acumularem problemas e despencarem todos eles de uma hora para outra. Da forma errada. Com a pessoa errada. No tom errado.
Aprendemos com os exemplos e com suas ausências. Essas cenas nos ajudam, talvez, a contracenar em outro tom, o tom do respeito.
Ah, como este conceito é bem-vindo: respeito! 
Com ele, só os gritos de entusiasmo, mesmo assim, no momento certo, com as pessoas certas, no limite certo.

Por: Gabriel Chalita

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Feliz livro novo

Ontem a noite, perdi o sono e resolvi vagar pela casa em busca de alguma coisa relaxante pra fazer. E, observando cuidadosamente cada pedaço, ainda na penumbra, vi alguns papeis bem dobrados sobre a mesa. Quando abri, lembrei que no dia anterior meu marido havia trazido os papéis que estavam em uma pilha na mesa do caixa eletrônico do banco, onde normalmente preenchemos os envelopes de depósito. Lembrei que ele disse: ‘alguma alma boa deixou isso no banco…”. E parei para ler.

Era um maço de papel com mensagens sobre amor, paz, felicidade, espiritualidade e pensamentos positivos, amizade e tantos outros sentimentos que nem sempre nos lembramos no dia-a-dia. Nesse maço de papel, logo na primeira página, tinha um poema…




“Encerra-se mais um ano em sua vida…

Quando este ano começou, ele era todo seu.

Foi colocado em suas mãos…

Você podia fazer dele o que quisesse…

Era como um Livro em Branco, e nele você podia colocar um poema, um pesadelo, uma blasfêmia, uma oração.

Podia…

Hoje não pode mais, já não é seu.

É um livro já escrito… Concluído.

Como um livro que tivesse sido escrito por você, ele um dia lhe será lido, com todos os detalhes, e você não poderá corrigi-lo.

Estará fora de seu alcance.

Portanto, antes que este ano termine, reflita, tome seu velho livro e o folheie com cuidado.

Deixe passar cada uma das páginas pelas mãos e pela consciência, faça o exercício de ler a você mesmo.

Leia tudo…

Aprecie aquelas páginas de sua vida em que você usou seu melhor estilo. 
Leia também as páginas que gostaria de nunca ter escritas. Não, não tente arrancá-las. Seria inútil. Já estão escritas.

Mas você pode lê-las enquanto escreve o novo livro que lhe será entregue.

Assim, poderá repetir as boas coisas que escreveu, e evitar repetir as ruins.

Para escrever o seu novo livro, você contará novamente com o instrumento do livre arbítrio, e terá, para preencher, toda a imensa superfície do seu mundo.

Se tiver vontade de beijar seu velho livro, beije-o.

Se tiver vontade de chorar, chore sobre ele e, a seguir, coloque-o nas mãos do Criador.

Não importa como esteja…

Ainda que tenha páginas negras, entregue e diga apenas duas palavras: Obrigado e Perdão.
E, quando o Novo Ano chegar, lhe será entregue outro livro, novo, limpo, branco todo seu, no qual você irá escrever o que desejar…
FELIZ LIVRO NOVO!”

Fiquei encantada não apenas com o poema, nem apenas com as outras mensagens que tinham no maço de papel. Fiquei emocionada com a atitude: alguém, em algum lugar dessa cidade louca, desse mundo louco, se deu ao trabalho de parar alguns minutos, selecionar alguns textos, imprimi-los e espalhá-los para que tantas outras pessoas pudessem ter acesso e de alguma forma fosse abençoadas com essas palavras!

Desejo a quem deixou essas folhas no banco um livro novo cheio de páginas coloridas e alegres, onde as histórias escritas sejam, em sua maioria, cheias de amor e felicidade!

A você que está lendo, desejo mais uma coisa (além de tudo acima): desejo que você também pare alguns minutos e compartilhe alegrias e bençãos para as pessoas que você ama!

Do site ... http://www.girafadepapel.com.br/boas-festas/...

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A sensação do não-feito

“Para ganhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo”, 
Carlos Drummond de Andrade

.
Muitas pessoas dizem no fim do ano que o próximo será diferente. 
“Farei o que não fiz”; 
Ir à igreja, na academia regularmente, 
fazer dieta, 
ler mais, 
ser mais generoso (a), 
comprar um carro, casa ou reformá-la 
são alguns dos itens que aparecerem no primeiro parágrafo da lista fictícia.

Alguns ficam tristes olhando para trás relendo sua lista imaginária do que não cumpriu. Mas, devemos levar em consideração que se não foi realizado há sempre um bom motivo para isso. 
Se perguntar o porquê não fez determinada coisa vai ajudar a encontrar razões afetivas para explicar o não-feito ou adiamento de determinada ação.

Organizar metas a curto, médio e longo prazo é tradição. Faz parte da “Festa da Virada”, apesar de que a euforia dura um dia. 
O primeiro dia do ano. O resto, míseros 364, chega como um tsunami logo no dia seguinte.

Quero dizer aqui neste breve comentário que não há necessidade de martírio pelo que não foi realizado. 
Há um longo caminho pela frente e que o ano novo seja repleto de boas oportunidades para fazê-lo.

Deixo aqui as palavras de Drummond: “Para ganhar um ano novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre”.

Por Roney Moraes
Jornalista, Psicanalista, Teólogo

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Como são os olhos de um Pai?


Pergunta a um oftalmologista!
Não!
Pergunta a um filho!


Se lembro bem os olhos do meu Pai eram transparentes, quero dizer, lia-se neles como num livro aberto.


Percebia perfeitamente quando estava contente comigo ou, se o que eu fizera ou tinha dito, não eram do seu agrado.


Não usava lentes que aumentassem ou diminuíssem o seu afecto por mim, eram sempre o mesmo… quer dizer… comprazido ou algo decepcionado.


Os olhos do meu Pai eram, por assim dizer, o meu espelho onde podia ver com meridiana clareza “como andava a minha vida”.


Lembro-me que – deveria ter os meus catorze anos que é uma idade importante num rapaz – ter chegado a casa por altura das férias de Natal e de lhe ter oferecido com grande orgulho e satisfação pessoais, a minha “caderneta” com as “notas” do período escolar.


Eram ótimas notas, a média de dezoito valores atribuíra-me o terceiro lugar na minha classe.


Mas quando vi os olhos do meu Pai tive uma surpresa enorme: não mostravam nenhuma satisfação especial, talvez até, houvesse neles algum laivo de decepção.


Fiquei, penso eu com toda a justiça, alterado, e perguntei:


‘Mas… Pai… média de dezoito… o terceiro da aula!!!’


A resposta foi “demolidora”:


‘Bom… está bem! Mas houve pelo menos dois colegas teus que tiveram médias de dezenove e vinte, um terá ficado em segundo lugar e o outro terá sido o primeiro da classe!’


Fiquei sem palavras, sem explicação nenhuma que pudesse aduzir: o que o meu Pai acabara de dizer era absolutamente verdade!


Olhei os seus olhos de novo e então vi neles uma centelha de incentivo, de desafio.


A verdade é que, no período seguinte, pela Páscoa pude entregar-lhe a “caderneta” com média de vinte e classificação de primeiro da classe.


Os seus olhos então, disseram-me claramente:


‘Vês como eu tinha razão e tu podias…’


Os olhos de um Pai vêm muito… muitíssimo mais longe que os olhos de um filho!



Publicada por Spe Deus

sábado, 5 de dezembro de 2015

A malícia da fofoca



Quem de nós gostaria que falassem mal de nós pelas costas?
Ninguém, não é verdade? No entanto, é justamente isto a fofoca! 
O que é a fofoca, senão falar mal dos outros quando eles não estão presentes?

Pois bem, sendo esta a realidade da fofoca, que frutos ela traz consigo? Algo que todos nós nos queixamos diariamente e que aparentemente não tem nenhuma relação, mas tem: a maldade que há no mundo!

Como assim, alguns perguntarão? Qual é a relação que pode haver entre a fofoca, algo tão inofensivo para muitas pessoas, e a maldade do mundo?

Vamos explicar. Todo dia no meu trabalho sacerdotal encontro pessoas, e vocês também, que dizem que há muita maldade no mundo. Que há muitas pessoas más, que querem o teu mal, que estão à espera da primeira oportunidade para passar a perna em você. De fato, infelizmente, esta é uma realidade inegável do nosso mundo. É uma realidade em muitos ambientes de trabalho e até, infelizmente, em muitas famílias!

E agora podemos nos perguntar: de onde surge um mundo como este onde as pessoas querem o teu mal? Surge quando se dá acesso a uma primeira porta da falta de amor entre as pessoas: falar mal delas, fofocar. 
Fofocar, falar mal de alguém quando ela não está presente, é a primeira porta da falta de caridade. Quando eu falo mal de alguém, eu não quero o bem desta pessoa. Daí para o segundo passo, desejar o mal, é apenas um pulinho.
Falar mal de alguém e desejar o seu mal estão unidos na mesma estrada: a estrada do mal, da maldade. E é uma estrada oposta ao que tanto desejamos que é o amor, a civilização do amor.

O amor gera algo maravilhoso: a união entre as pessoas, a solidariedade, a ajuda mútua. Quem ama, vê a todos como irmãos. 
E esta é a verdade, pois todos somos filhos de Deus. 

O amor congrega, une. 
Faz ver os colegas de trabalho como irmãos; a cunhada, a sogra, como irmãos.

Se o amor gera a união, o que gera a fofoca? 
Algo muito perverso: a desunião. 

Um mundo dominado pela fofoca ao extremo seria a lei da selva: salve-se quem puder! 
A desunião máxima: cada um para si buscando seu interesse, onde é inevitável a guerra.

Portanto, grande parte do mal deste mundo, deste ar pesado que se respira em tantos ambientes das pequenas e grandes cidades, o ar da desunião, da crítica, das puxadas de tapete etc, é fruto desta primeira porta da maldade, só aparentemente inofensiva, que é a fofoca.

Façamos, portanto, o propósito de eliminá-la da nossa vida! 
Como dizia um santo, “se é para falar mal, cala-te”! 
Vejamos a todos como irmãos, pois assim o somos. O que fazemos com um irmão que se comporta mal: rezamos por ele, procuramos corrigi-lo. E se ele não quer ser corrigido? 
Continuemos rezando por ele. Mas nunca falemos mal dele. Esta é a atitude de um cristão.

Será um sonho imaginar um ambiente de trabalho, uma reunião familiar, sem fofoca!!! Conheço ambientes de trabalho, famílias, que são assim, onde as pessoas vivem assim. 
Mas disto depende de cada um de nós. 

Comecemos por dar exemplo e, pouco a pouco, vamos ajudando as pessoas a verem todo o seu mal para que também a eliminem das suas vidas. Será o início da construção da civilização do amor.


Padre Paulo M. Ramalho

domingo, 22 de novembro de 2015

Não ter medo de dizer que não



Gosto muito do meu filho — dizia um senhor numa reunião de pais na escola — e procuro que ele se dê conta disso. No entanto, reconheço que algumas vezes o meu filho se porta mal. 
É verdade que ele só tem cinco anos de idade. Mas também é verdade que eu tento não me esquecer desse “detalhe” quando converso com ele sobre o seu comportamento.


«No outro dia, um psicólogo disse à minha mulher que nessas idades ninguém se porta propriamente mal. Simplesmente, faz com inocência algo que ainda não aprendeu que está mal. 
Eu, que não sou psicólogo nem nada que se pareça, não estou nada de acordo com isso. 
Já vi o meu filho portar-se mal. São coisas pequenas, evidentemente, mas ele sabe o que faz e tem consciência disso.

«E para o seu bem, procuro atuar com firmeza — não é sinônimo de violência — e dizer-lhe claramente que “não”. 

Ser claro, para mim, não é o mesmo que gritar. Também procuro explicar-lhe o porquê do meu “não”, de modo que ele possa entender. 

Assim, é mais fácil para ele obedecer àquilo que eu lhe digo, mesmo que não lhe apeteça.


«Muitas vezes, apercebo-me de que ele obedece não tanto por entender o que lhe digo, mas por confiar em mim. Porque sou seu pai. E, além disso, seu amigo. 

A paternidade é um fato. A amizade é uma conquista diária. E essa amizade entre nós também cresce quando ele percebe que eu lhe digo que “não” porque gosto dele — quando seria muito mais fácil para mim não lhe dizer nada».

Que gosto dá ouvir estas palavras tão sensatas! 
Os pais, se amam de verdade os seus filhos, não terão receio de, algumas vezes, dizer-lhes que “não”. Que pena se, por temor a contristar o filho ou a passarem eles um mau bocado, se habituem a ceder naquilo que não devem ceder! 
Quantos remorsos depois com o passar dos anos — e eles passam rapidamente — de não ter sabido dizer que “não” a tempo! 
Tudo se complica. Como diz o povo, cheio de sabedoria, é de pequenino que se torce o pepino.

Não é nada lógico dar aos filhos tudo aquilo que eles pedem. Nem deixá-los fazer tudo aquilo que lhes apetece. 
É preciso manter-se firmes, com uma firmeza amável e delicada que procede do amor. E convém não esquecer que a primeira qualidade do amor é a força para fazer o bem.

E se, depois de ter dialogado com os filhos e ouvido os seus argumentos, eles não gostam ou não entendem uma indicação dos pais? 
Nesse caso, penso que os pais não devem ceder naquilo que verdadeiramente consideram que é importante. O contrário seria claudicar num ponto nevrálgico da educação. 

Mais tarde, serão os próprios filhos a ouvir esse “não” no seu interior diante daquilo que poderiam fazer mas sabem que não devem fazer. 
Mas não nos enganemos: é muito difícil que esse “não” seja interiorizado pelos filhos se antes não foi pronunciado pelos pais.


Pe. Rodrigo Lynce de Faria
Spe Deus

Hidratação pelas palavras


Relacionamento se faz no detalhe, na pronúncia, no modo como nos comportamos longe das datas festivas e das folgas dos finais de semana.

Ou se tem uma rotina apaixonada ou se é levado pela agressividade. 
Não identificamos o quanto perdemos inúmeras chances de delicadeza ao longo do dia. 

Desperdiçamos a gentileza com quem amamos.

Parece que a educação deve ser usada para os estranhos, aquele que está ao nosso lado é obrigado a aguentar grosseria, irritação, azedume, maus tratos. 

Entramos no jogo de compensações: quando tristes, maltratamos; quando felizes, festejamos, e não enxergamos problema nenhum nesta alternância. 

É preciso criar um mínimo civilizacional, ainda que nos dias mais trágicos, para não ferir os próximos e não destruirmos os laços com as nossas mágoas. 

Se seguirmos os nossos impulsos, seremos bichos. Morderemos e atacaremos com as palavras.

Ninguém desperta de bom humor (trata-se de uma lenda), o que existe é um redobrado exercício de concentração para sorrir de manhã cedo. 
A docilidade é uma ardilosa construção psicológica e temperamental. Maquiamos o caráter para conviver.

Generosidade, portanto, consiste em atenção lapidada, em refinada vigilância, em não ser tomado pelo impulso egoísta de que o outro tem a obrigação de nos servir e nos entender. 

Só é acabar a água na geladeira que já podemos antever o temperamento de cada um na relação. 

É uma frase inofensiva que traduz uma gama variada de sentimentos. Por uma declaração banal e singela, já antevemos se a pessoa pretende discutir, agredir ou nos confortar.

– Você me deixou sem água? (autoritário)

– Nem água tem nesta casa! (apocalíptico)

– Esqueceu de comprar água? (acusatório)

– Esqueci de comprar água! (culpado)

– Temos que comprar água! (solidário)

– Você não presta atenção em nada! (oportunista)

– Acabou a água, vou sair para comprar! (engajado)

– Você deseja que eu morra de sede? (filial)

– Cadê a água? (curto e grosso)

– Não temos mais dinheiro para comprar água? (inseguro)

– Vamos beber água da torneira por enquanto. (conformado)

– Farei uma lista de supermercado para não esquecermos nada. (compreensivo)

Quando acabar a água, cuide também para não acabar o amor.

Fabrício Carpinejar

A alegria veste a tristeza


Tenho uma predileção por uma frase de Federico Fellini: para a sombra existir, o sol deve estar a pique na cabeça. 
Sem a luz, o escuro não se forma. 
Sem o escuro, a luz não tem sentido. 
O mesmo acontece com a alegria. Dentro da alegria mais genuína, mais intensa, mora a sombra da tristeza. 
A tristeza só existe em função da alegria. É o medo de perder a felicidade que faz com que você se esforce para mantê-la.


Não há alegria inteira, nem tristeza pura, uma depende da outra. Podemos transpirar euforia, mas sobreviverá uma pontinha de melancolia lá no fundo de nosso riso. Porque mantemos a consciência de que a alegria, por mais duradoura que seja, vai passar. Que ela logo se transformará em nostalgia, e que não estaremos mais plenos como daquele jeito de novo – e isso não é ruim e nem é bom, é inevitável da experiência. 
A tristeza dentro da alegria nos permite pensar e entender o quanto aquele momento é importante e que precisamos aproveitá-lo enquanto dura.

A alegria é esta vontade de ser para sempre que termina. A tristeza vem nos consolar a aceitar que o fim de uma lembrança não significa o fim de nossa vida. De igual forma, dentro da tristeza mais severa, da depressão mais aguda, é possível notar a presença de uma alegria discreta, retraída, tímida.


Tudo pode soar péssimo, mas um abraço, um quindim, um filme, o telefonema insistente de um amigo é capaz de nos devolver a vontade de dar a volta por cima. 

A simplicidade é terapêutica, a banalidade nos cura dos grandes males da solidão. 
Haverá sempre o sol por detrás das nuvens escuras dos pensamentos suicidas. Na sombra mais espessa de nosso temperamento, coexistem os raios solares minúsculos do contentamento, das dádivas da rotina e dos pequenos prazeres.
Estaremos desolados com o tempo fechado e chuvoso do rosto, não enxergando nenhuma saída, mas a alegria se conservará perto e nos mostrará que a tristeza também passará, que é uma fase e um ciclo para absorver separações, desentendimentos e traumas. 

A lágrima brilhará como uma vidraça limpa e iluminada. Se a tristeza é saudade dentro da alegria, a alegria é esperança dentro da tristeza.

Nenhum sentimento é definitivo e completo. A luz veste a sombra, a sombra veste a luz. A alegria costura a tristeza, a tristeza costura a alegria. Alfaiates que se revezam no longo pano dos dias.

Fabrício Carpinejar

sábado, 14 de novembro de 2015

Educação do carácter


Ouvi falar de um livro que conta a história de um grupo de rapazes que são os únicos sobreviventes de um acidente aéreo. Sem a ajuda de nenhum adulto, devem organizar a sua vida numa ilha deserta paradisíaca. Tudo parece fácil no começo. 
No entanto, em pouco tempo, comprovam que conviver uns com os outros não é uma tarefa nada simples.


Surgem conflitos, faltas de entendimento e acaba por aparecer a violência e uma guerra aberta entre eles. Fica claro que, apesar da tendência que todos temos para o bem, a maldade está misteriosamente presente no coração humano. 
Sem uma aprendizagem séria dos valores acumulados pela Humanidade com o passar dos anos ― valores cívicos, morais, de respeito mútuo ― os rapazes encontram-se indefesos diante das suas más tendências. 
Não sabem como dirigi-las ou dominá-las. Consideram tudo o que procede do coração como natural e, por esse motivo, bom. 
A bondade confunde-se com a espontaneidade.


É verdade que possuímos um desejo inato de fazer o bem. Mas também é verdade que a nossa natureza está “ferida” e necessita de muitos cuidados ― uma formação esmerada ― para funcionar corretamente. 

Aprender matemática e português é muito mais fácil do que aprender a ser boa pessoa, a conviver com os outros e a semear a paz à nossa volta. 

Este segundo tipo de conhecimento ― teórico e prático ao mesmo tempo ― também deve ser transmitido na escola. No entanto, em primeiro lugar, deve ser assimilado em casa com os pais e os irmãos no ambiente familiar.


É uma ingenuidade atroz muito difundida pensar que o progresso científico e econômico da sociedade, leva consigo obrigatoriamente um progresso moral. 
Que o digam muitos professores de escolas secundárias com quem tenho falado ultimamente. Dizem-me que, hoje em dia, existem meios técnicos para transmitir os conhecimentos como nunca houve no passado. 

No entanto, muitas vezes, falta essa educação básica de saber comportar-se e de respeitar os outros que arruína o bom ambiente na sala de aulas.


São palavras recentes de um professor: 
«Por muito que tente e me esforce, não consigo dar a matéria. A maior parte das minhas energias gasto-as a ensinar os alunos a estarem atentos, a comportarem-se bem, a respeitarem-se uns aos outros. Aquilo que antes se aprendia em casa com os pais, agora tenho de tentar ensinar na escola».

Por muito progresso que alcancemos, nunca será fácil educar moralmente as pessoas. 
Além disso, não se trata de uma educação “acumulativa” ― como acontece com os conhecimentos científicos ― mas de uma educação que deve, de algum modo, começar do zero em cada geração. 

Em matéria de educação moral e formação do carácter é imprescindível o convencimento da parte dos pais e dos educadores da importância primordial que ela possui. 

Que adianta ter muitos conhecimentos científicos se depois não se sabe conviver pacificamente com os outros respeitando-os? 
As notas escolares não são a única indicação para os pais ― nem muitas vezes a mais importante ― de que os filhos estão a progredir na sua formação pessoal.


Pe. Rodrigo Lynce de Faria

Felicidade pode demorar


Às vezes as pessoas que amamos nos magoam, e nada podemos fazer senão continuar nossa jornada com nosso coração machucado.
Às vezes nos falta esperança. Às vezes o amor nos machuca profundamente, e vamos nos recuperando muito lentamente dessa ferida tão dolorosa.
... Às vezes perdemos nossa fé, então descobrimos que precisamos acreditar, tanto quanto precisamos respirar...é nossa razão de existir.
Às vezes estamos sem rumo, mas alguém entra em nossa vida, e se torna o nosso destino.
Às vezes estamos no meio de centenas de pessoas, e a solidão aperta nosso coração pela falta de uma única pessoa.

Às vezes a dor nos faz chorar, nos faz sofrer, nos faz querer parar de viver,
até que algo toque nosso coração, algo simples como a beleza de um pôr do sol,
a magnitude de uma noite estrelada, a simplicidade de uma brisa batendo em nosso rosto.
É a força da natureza nos chamando para a vida.

Você descobre que as pessoas que pareciam ser sinceras e receberam sua confiança, te traíram sem qualquer piedade.
Você entende que o que para você era amizade, para outros era apenas conveniência, oportunismo.
Você descobre que algumas pessoas nunca disseram eu te amo, e por isso nunca fizeram amor, apenas transaram...

Descobre também que outras disseram eu te amo uma única vez.
E agora temem dizer novamente, e com razão, mas se o seu sentimento for sincero poderá ajudá-las a reconstruir um coração quebrado.
Assim ao conhecer alguém, preste atenção no caminho que essa pessoa percorreu, são fatores importantes: a relação com a família, as condições econômicas nas quais se desenvolveu (dificuldades extremas ou facilidades excessivas formam um caráter), os relacionamentos anteriores e as razões do rompimento, seus sonhos, ideais e objetivos.

Não deixe de acreditar no amor. Mas certifique-se de estar entregando seu coração para alguém que dê valor aos mesmos sentimentos que você dá.
Manifeste suas idéias e planos, para saber se vocês combinam. E certifique-se de que quando estão juntos, aquele abraço vale mais que qualquer palavra.
Esteja aberto a algumas alterações, mas jamais abra mão de tudo, pois se essa pessoa te deixar, então nada irá lhe restar.

Tenha sempre em mente que às vezes tentar salvar um relacionamento,
manter um grande amor, pode ter um preço muito alto se esse sentimento não for recíproco.
Pois em algum outro momento essa pessoa irá te deixar e seu sofrimento será ainda mais intenso, do que teria sido no passado.

Pode ser difícil fazer algumas escolhas, mas muitas vezes isso é necessário.
Existe uma diferença muito grande entre conhecer o caminho e percorrê-lo.
A tristeza pode ser intensa, mas jamais será eterna.
A felicidade pode demorar a chegar, mas o importante é que ela venha para ficar e não esteja apenas de passagem..."


(Este texto é atribuído a Luís Fernando Veríssimo em alguns sites, mas o verdadeiro autor é François de Bitencourt)


terça-feira, 13 de outubro de 2015

Apenas parem



Um dia desses fui com o meu filho em um buffet infantil para festa de uma amiguinha. A música que anunciou que a pista de dança estava aberta para os pequenos foi: “Prepara. Que agora. É hora. Do show das poderosas. Que descem. Rebolam. Afrontam as fogosas. Só as que incomodam. Expulsam as invejosas. Que ficam de cara. Quando toca”. “Show das Poderosas”, da funkeira Anitta.

Festinha do dia das crianças do condomínio ao lado de onde moro, ano passado. Vejo um “pula-pula” sendo montado logo cedo. Escorregador inflável. Avisto um palhaço. Mas sabe como soube que a festa finalmente tinha começado, horas depois? “Se não tá mais à vontade, sai por onde entrei. Quando começo a dançar eu te enlouqueço, eu sei. Meu exército é pesado, a gente tem poder. Ameaça coisas do tipo você.”

E comecei a pensar de onde as pessoas tiraram a ideia de que essa música tem alguma relação, mesmo que remota, com o universo infantil. E quero deixar claro que não tenho nada contra a Anitta. Mesmo. Acho que ela tem seu valor, que “Show das Poderosas” deve ser uma música ótima para dançar na balada. Mas não consigo entender como ouvir “descem, rebolam, afrontam as fogosas” pode ajudar na formação ou no vocabulário do meu filho ou de alguma criança deste mundo.

Mas voltemos à festa no buffet para que justiça seja feita, afinal, não foi só a música da Anitta que apareceu por lá . Logo começou uma “gemeção”: “Nossa. Nossa. Assim você me mata. Ai, se eu te pego. Ai, se eu te pego. Delícia. Delícia. Assim você me mata. Ai se eu te pego, ai, ai…”

Gosto muito do Michel Teló. Inclusive já o entrevistei uma vez. Ele faz sucesso no mundo todo, do Brasil à Romênia. Fez com que gente que nunca tinha falado uma palavra de português começasse a cantar na nossa língua. Samuca logo quis saber do que se tratava aquela letra quando assistiu ao clipe de “Ai se eu te pego” no Youtube – a música, patrocinada, aparecia sempre antes do desenho favorito dele. Expliquei, num susto, que o “ai se eu te pego” era sobre brincar de pega-pega. E me senti esperta. Só que na festa eu estava alerta e com medo de não ser tão rápida no gatilho se viesse uma próxima pergunta. Por isso logo tirei meu filho de lá com um argumento infalível: “vamos comer um brigadeiro?”. Dito e feito. “Mulheres na frente, os homens atrás. Mão na cabeça que vai começar. O rebolation, tion o rebolation, o rebolation, tion, rebolation”.

Claro que esse tipo de música não toca em todos os buffets infantis. Claro que a grande maioria de mães e pais tem cuidado na hora de escolher o que os filhos podem e devem escutar quando o assunto é música. Ainda bem.

Aposto que vão chover e-mails dizendo que “não podemos colocar nossos filhos em uma redoma de vidro”. Ou que “essas músicas tocam na rádio o dia inteiro, não há como evitar que eles ouçam” ou que “isso é questão de gosto” e até coisas mais pesadas: “Nossa, Rita, como você é preconceituosa! Funk é um movimento cultural e musical e… ” e blá blá blá.

Só acho mais legal que meu filho saiba que “com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo”. Ou que queira “pegar carona nessa cauda de cometa, ver a via láctea, estrada tão bonita. Brincar de esconde-esconde numa nebulosa. Voltar para a casa, nosso lindo balão azul!”

Muito anos 80? Pode ser.

A letra da música preferida de Samuca, menino fabricado em 2009/modelo 2010, é essa: “Acordei com o pé esquerdo. Calcei meu pé de pato. Chutei o pé da cama. Botei o pé na estrada. Deu um pé de vento. Caiu um pé d’água. Enfiei o pé na lama. Perdi o pé de apoio. Agarrei num pé de planta. Despenquei com pé descalço. Tomei pé da situação. Tava tudo em pé de guerra. Tudo em pé de guerra”.

Ontem começou uma chuvona dessas que caem todo fim de tarde em São Paulo. E Samuca comenta comigo, todo feliz e sabido. “Que pé d´água, né, mamãe?”

PS: Obrigada, Palavra Cantada – Sandra Peres e Paulo Tatit – pela graça alcançada.

RITA LISAUSKAS

sábado, 10 de outubro de 2015

Pequenas batalhas, grandes vitórias


Quer saber uma grande verdade?
Não se vence uma guerra sem antes ter lutado, ganhado e perdido inúmeras pequenas batalhas.
A vida tem me ensinado a apreciar minhas pequenas vitórias, ao invés de esperar sempre pelo grandioso sucesso.

Afinal, são esses momentos que nos revelam, que nos transformam na melhor versão de nós mesmos.

Hoje aprendi a enxergar minha felicidade no sorriso daqueles que eu amo. 
Em cada elogio ao meu trabalho. 
Em cada superação dos meus próprios limites. 
Em cada passo dado em direção a um objetivo maior. 
Na satisfação em ver uma meta cumprida. 
Na minha vida. 
Nas pessoas que conquistei, não por minha utilidade, mas simplesmente por ser eu mesma, com todas as minhas imperfeições.

Não me cobro tanto. Não mais. 
Tenho perdido, gradualmente, o medo de errar.

Aliás, vale ressaltar aqui que é errando que se aprende o certo. 
Não há como descobrir um novo caminho se não houver a tentativa. E tentativas, meu caro, implicam em erros. Muitos deles. 
Essa é uma realidade que não aprendemos em escolas. 

Vivemos cercados de paradigmas que nos impõe a perfeição. Não há estímulo para o novo e para a criatividade. 
Tudo tem de ser dentro de padrões e regras. Não há espaço para o questionamento. Enquanto a dúvida é o principal combustível para a sabedoria.

Grandes gênios só foram descobertos porque ousaram. 
Não se conformaram com uma realidade imposta, mas procuraram por sua própria verdade.

Keissy Kelly