domingo, 22 de novembro de 2015

Não ter medo de dizer que não



Gosto muito do meu filho — dizia um senhor numa reunião de pais na escola — e procuro que ele se dê conta disso. No entanto, reconheço que algumas vezes o meu filho se porta mal. 
É verdade que ele só tem cinco anos de idade. Mas também é verdade que eu tento não me esquecer desse “detalhe” quando converso com ele sobre o seu comportamento.


«No outro dia, um psicólogo disse à minha mulher que nessas idades ninguém se porta propriamente mal. Simplesmente, faz com inocência algo que ainda não aprendeu que está mal. 
Eu, que não sou psicólogo nem nada que se pareça, não estou nada de acordo com isso. 
Já vi o meu filho portar-se mal. São coisas pequenas, evidentemente, mas ele sabe o que faz e tem consciência disso.

«E para o seu bem, procuro atuar com firmeza — não é sinônimo de violência — e dizer-lhe claramente que “não”. 

Ser claro, para mim, não é o mesmo que gritar. Também procuro explicar-lhe o porquê do meu “não”, de modo que ele possa entender. 

Assim, é mais fácil para ele obedecer àquilo que eu lhe digo, mesmo que não lhe apeteça.


«Muitas vezes, apercebo-me de que ele obedece não tanto por entender o que lhe digo, mas por confiar em mim. Porque sou seu pai. E, além disso, seu amigo. 

A paternidade é um fato. A amizade é uma conquista diária. E essa amizade entre nós também cresce quando ele percebe que eu lhe digo que “não” porque gosto dele — quando seria muito mais fácil para mim não lhe dizer nada».

Que gosto dá ouvir estas palavras tão sensatas! 
Os pais, se amam de verdade os seus filhos, não terão receio de, algumas vezes, dizer-lhes que “não”. Que pena se, por temor a contristar o filho ou a passarem eles um mau bocado, se habituem a ceder naquilo que não devem ceder! 
Quantos remorsos depois com o passar dos anos — e eles passam rapidamente — de não ter sabido dizer que “não” a tempo! 
Tudo se complica. Como diz o povo, cheio de sabedoria, é de pequenino que se torce o pepino.

Não é nada lógico dar aos filhos tudo aquilo que eles pedem. Nem deixá-los fazer tudo aquilo que lhes apetece. 
É preciso manter-se firmes, com uma firmeza amável e delicada que procede do amor. E convém não esquecer que a primeira qualidade do amor é a força para fazer o bem.

E se, depois de ter dialogado com os filhos e ouvido os seus argumentos, eles não gostam ou não entendem uma indicação dos pais? 
Nesse caso, penso que os pais não devem ceder naquilo que verdadeiramente consideram que é importante. O contrário seria claudicar num ponto nevrálgico da educação. 

Mais tarde, serão os próprios filhos a ouvir esse “não” no seu interior diante daquilo que poderiam fazer mas sabem que não devem fazer. 
Mas não nos enganemos: é muito difícil que esse “não” seja interiorizado pelos filhos se antes não foi pronunciado pelos pais.


Pe. Rodrigo Lynce de Faria
Spe Deus

Hidratação pelas palavras


Relacionamento se faz no detalhe, na pronúncia, no modo como nos comportamos longe das datas festivas e das folgas dos finais de semana.

Ou se tem uma rotina apaixonada ou se é levado pela agressividade. 
Não identificamos o quanto perdemos inúmeras chances de delicadeza ao longo do dia. 

Desperdiçamos a gentileza com quem amamos.

Parece que a educação deve ser usada para os estranhos, aquele que está ao nosso lado é obrigado a aguentar grosseria, irritação, azedume, maus tratos. 

Entramos no jogo de compensações: quando tristes, maltratamos; quando felizes, festejamos, e não enxergamos problema nenhum nesta alternância. 

É preciso criar um mínimo civilizacional, ainda que nos dias mais trágicos, para não ferir os próximos e não destruirmos os laços com as nossas mágoas. 

Se seguirmos os nossos impulsos, seremos bichos. Morderemos e atacaremos com as palavras.

Ninguém desperta de bom humor (trata-se de uma lenda), o que existe é um redobrado exercício de concentração para sorrir de manhã cedo. 
A docilidade é uma ardilosa construção psicológica e temperamental. Maquiamos o caráter para conviver.

Generosidade, portanto, consiste em atenção lapidada, em refinada vigilância, em não ser tomado pelo impulso egoísta de que o outro tem a obrigação de nos servir e nos entender. 

Só é acabar a água na geladeira que já podemos antever o temperamento de cada um na relação. 

É uma frase inofensiva que traduz uma gama variada de sentimentos. Por uma declaração banal e singela, já antevemos se a pessoa pretende discutir, agredir ou nos confortar.

– Você me deixou sem água? (autoritário)

– Nem água tem nesta casa! (apocalíptico)

– Esqueceu de comprar água? (acusatório)

– Esqueci de comprar água! (culpado)

– Temos que comprar água! (solidário)

– Você não presta atenção em nada! (oportunista)

– Acabou a água, vou sair para comprar! (engajado)

– Você deseja que eu morra de sede? (filial)

– Cadê a água? (curto e grosso)

– Não temos mais dinheiro para comprar água? (inseguro)

– Vamos beber água da torneira por enquanto. (conformado)

– Farei uma lista de supermercado para não esquecermos nada. (compreensivo)

Quando acabar a água, cuide também para não acabar o amor.

Fabrício Carpinejar

A alegria veste a tristeza


Tenho uma predileção por uma frase de Federico Fellini: para a sombra existir, o sol deve estar a pique na cabeça. 
Sem a luz, o escuro não se forma. 
Sem o escuro, a luz não tem sentido. 
O mesmo acontece com a alegria. Dentro da alegria mais genuína, mais intensa, mora a sombra da tristeza. 
A tristeza só existe em função da alegria. É o medo de perder a felicidade que faz com que você se esforce para mantê-la.


Não há alegria inteira, nem tristeza pura, uma depende da outra. Podemos transpirar euforia, mas sobreviverá uma pontinha de melancolia lá no fundo de nosso riso. Porque mantemos a consciência de que a alegria, por mais duradoura que seja, vai passar. Que ela logo se transformará em nostalgia, e que não estaremos mais plenos como daquele jeito de novo – e isso não é ruim e nem é bom, é inevitável da experiência. 
A tristeza dentro da alegria nos permite pensar e entender o quanto aquele momento é importante e que precisamos aproveitá-lo enquanto dura.

A alegria é esta vontade de ser para sempre que termina. A tristeza vem nos consolar a aceitar que o fim de uma lembrança não significa o fim de nossa vida. De igual forma, dentro da tristeza mais severa, da depressão mais aguda, é possível notar a presença de uma alegria discreta, retraída, tímida.


Tudo pode soar péssimo, mas um abraço, um quindim, um filme, o telefonema insistente de um amigo é capaz de nos devolver a vontade de dar a volta por cima. 

A simplicidade é terapêutica, a banalidade nos cura dos grandes males da solidão. 
Haverá sempre o sol por detrás das nuvens escuras dos pensamentos suicidas. Na sombra mais espessa de nosso temperamento, coexistem os raios solares minúsculos do contentamento, das dádivas da rotina e dos pequenos prazeres.
Estaremos desolados com o tempo fechado e chuvoso do rosto, não enxergando nenhuma saída, mas a alegria se conservará perto e nos mostrará que a tristeza também passará, que é uma fase e um ciclo para absorver separações, desentendimentos e traumas. 

A lágrima brilhará como uma vidraça limpa e iluminada. Se a tristeza é saudade dentro da alegria, a alegria é esperança dentro da tristeza.

Nenhum sentimento é definitivo e completo. A luz veste a sombra, a sombra veste a luz. A alegria costura a tristeza, a tristeza costura a alegria. Alfaiates que se revezam no longo pano dos dias.

Fabrício Carpinejar

sábado, 14 de novembro de 2015

Educação do carácter


Ouvi falar de um livro que conta a história de um grupo de rapazes que são os únicos sobreviventes de um acidente aéreo. Sem a ajuda de nenhum adulto, devem organizar a sua vida numa ilha deserta paradisíaca. Tudo parece fácil no começo. 
No entanto, em pouco tempo, comprovam que conviver uns com os outros não é uma tarefa nada simples.


Surgem conflitos, faltas de entendimento e acaba por aparecer a violência e uma guerra aberta entre eles. Fica claro que, apesar da tendência que todos temos para o bem, a maldade está misteriosamente presente no coração humano. 
Sem uma aprendizagem séria dos valores acumulados pela Humanidade com o passar dos anos ― valores cívicos, morais, de respeito mútuo ― os rapazes encontram-se indefesos diante das suas más tendências. 
Não sabem como dirigi-las ou dominá-las. Consideram tudo o que procede do coração como natural e, por esse motivo, bom. 
A bondade confunde-se com a espontaneidade.


É verdade que possuímos um desejo inato de fazer o bem. Mas também é verdade que a nossa natureza está “ferida” e necessita de muitos cuidados ― uma formação esmerada ― para funcionar corretamente. 

Aprender matemática e português é muito mais fácil do que aprender a ser boa pessoa, a conviver com os outros e a semear a paz à nossa volta. 

Este segundo tipo de conhecimento ― teórico e prático ao mesmo tempo ― também deve ser transmitido na escola. No entanto, em primeiro lugar, deve ser assimilado em casa com os pais e os irmãos no ambiente familiar.


É uma ingenuidade atroz muito difundida pensar que o progresso científico e econômico da sociedade, leva consigo obrigatoriamente um progresso moral. 
Que o digam muitos professores de escolas secundárias com quem tenho falado ultimamente. Dizem-me que, hoje em dia, existem meios técnicos para transmitir os conhecimentos como nunca houve no passado. 

No entanto, muitas vezes, falta essa educação básica de saber comportar-se e de respeitar os outros que arruína o bom ambiente na sala de aulas.


São palavras recentes de um professor: 
«Por muito que tente e me esforce, não consigo dar a matéria. A maior parte das minhas energias gasto-as a ensinar os alunos a estarem atentos, a comportarem-se bem, a respeitarem-se uns aos outros. Aquilo que antes se aprendia em casa com os pais, agora tenho de tentar ensinar na escola».

Por muito progresso que alcancemos, nunca será fácil educar moralmente as pessoas. 
Além disso, não se trata de uma educação “acumulativa” ― como acontece com os conhecimentos científicos ― mas de uma educação que deve, de algum modo, começar do zero em cada geração. 

Em matéria de educação moral e formação do carácter é imprescindível o convencimento da parte dos pais e dos educadores da importância primordial que ela possui. 

Que adianta ter muitos conhecimentos científicos se depois não se sabe conviver pacificamente com os outros respeitando-os? 
As notas escolares não são a única indicação para os pais ― nem muitas vezes a mais importante ― de que os filhos estão a progredir na sua formação pessoal.


Pe. Rodrigo Lynce de Faria

Felicidade pode demorar


Às vezes as pessoas que amamos nos magoam, e nada podemos fazer senão continuar nossa jornada com nosso coração machucado.
Às vezes nos falta esperança. Às vezes o amor nos machuca profundamente, e vamos nos recuperando muito lentamente dessa ferida tão dolorosa.
... Às vezes perdemos nossa fé, então descobrimos que precisamos acreditar, tanto quanto precisamos respirar...é nossa razão de existir.
Às vezes estamos sem rumo, mas alguém entra em nossa vida, e se torna o nosso destino.
Às vezes estamos no meio de centenas de pessoas, e a solidão aperta nosso coração pela falta de uma única pessoa.

Às vezes a dor nos faz chorar, nos faz sofrer, nos faz querer parar de viver,
até que algo toque nosso coração, algo simples como a beleza de um pôr do sol,
a magnitude de uma noite estrelada, a simplicidade de uma brisa batendo em nosso rosto.
É a força da natureza nos chamando para a vida.

Você descobre que as pessoas que pareciam ser sinceras e receberam sua confiança, te traíram sem qualquer piedade.
Você entende que o que para você era amizade, para outros era apenas conveniência, oportunismo.
Você descobre que algumas pessoas nunca disseram eu te amo, e por isso nunca fizeram amor, apenas transaram...

Descobre também que outras disseram eu te amo uma única vez.
E agora temem dizer novamente, e com razão, mas se o seu sentimento for sincero poderá ajudá-las a reconstruir um coração quebrado.
Assim ao conhecer alguém, preste atenção no caminho que essa pessoa percorreu, são fatores importantes: a relação com a família, as condições econômicas nas quais se desenvolveu (dificuldades extremas ou facilidades excessivas formam um caráter), os relacionamentos anteriores e as razões do rompimento, seus sonhos, ideais e objetivos.

Não deixe de acreditar no amor. Mas certifique-se de estar entregando seu coração para alguém que dê valor aos mesmos sentimentos que você dá.
Manifeste suas idéias e planos, para saber se vocês combinam. E certifique-se de que quando estão juntos, aquele abraço vale mais que qualquer palavra.
Esteja aberto a algumas alterações, mas jamais abra mão de tudo, pois se essa pessoa te deixar, então nada irá lhe restar.

Tenha sempre em mente que às vezes tentar salvar um relacionamento,
manter um grande amor, pode ter um preço muito alto se esse sentimento não for recíproco.
Pois em algum outro momento essa pessoa irá te deixar e seu sofrimento será ainda mais intenso, do que teria sido no passado.

Pode ser difícil fazer algumas escolhas, mas muitas vezes isso é necessário.
Existe uma diferença muito grande entre conhecer o caminho e percorrê-lo.
A tristeza pode ser intensa, mas jamais será eterna.
A felicidade pode demorar a chegar, mas o importante é que ela venha para ficar e não esteja apenas de passagem..."


(Este texto é atribuído a Luís Fernando Veríssimo em alguns sites, mas o verdadeiro autor é François de Bitencourt)